28.8.10

3 segundos

O teus dedos entrelaçados aos meus formam um cruzamento de caminhos perdidos. E eu não sei em qual eu poderia dar o primeiro passo. Apenas me perco. E eu deveria me encontrar quando encontrasse os teus olhos pousando suavemente nos meus. Mas há qualquer vazio nos teus olhos que me assustam. Há um vazio maior do que o azul, onde não encontro nuvem ou estrelas. Onde meus olhos, ao pensar que se encontraram, se perdem mais ainda. E atravessam labirintos, apavorados, porque não sabem que criatura habitaria por ali. Fogem. Tentam se esconder. Procuram qualquer luz na tentativa de achar a saída, mais aí, caem. Então encontram a tua mão estendida, estreitanto as distâncias e afastando as nuvens pra me avisar que já amanheceu, empurrando a manhã para dentro de nós.
Quando enfim amanhece, amor, novamente entrelaçamos os dedos...

23.8.10

sobre a pouca força

Folhas no chão são só pássaros que não têm força própria para voar e aproveitam carona nas asas do vento.

17.8.10

sobre a última noite estrelada

Não é apenas no mundo da imaginação. Por vezes, esse mundão todo fica desabitado, e a única sobrevivente é apenas uma garotinha assustada tentanto entender o porquê das coisas desaparecerem tão de repente. Quando a solidão pousa sobre o seu travesseiro e mistura-se aos seus sonhos, o mundo torna-se maior, e as distâncias só aumentam. As mãos já não podem mais se dar, os braços já não envolvem mais o outro, e até o grito mais alto que se possa dar não chega ao ouvido como um sussurro.

Não sei se o mundo cresce, e incha, e me encosta no céu, ou se o céu da noite simplesmente despenca. Mas o céu fica, por um fio, de me esmagar contra a terra. E o fio que o sustenta é só o rabo da última estrela cadente. A culpa é das estrelas. São tantas, que o céu pesa. E talvez a culpa também seja minha, de querê-las ao meu alcance...

Agarrada ao último sonho que ainda não foi embora, a garotinha chora baixinho, e pede ao seu amor que venha, venha logo. Venha junto com ela assistir à última noite estrelada. Amanhã, amor, não haverá mais céu nem nada. Se você só chegar aqui amanhã, só poderá ver poeira de estrelas, e uma menina soterrada à 3 mil metros de realidade.

11.8.10

Hoje

Hoje não falarei sobre a correria nem sobre a calmaria. Não falarei nem do branco nem do preto. Nem do claro nem do escuro. Nem sobre a paz nem sobre a guerra. Não gritarei aos céus que chova ou que faça sol. Não pedirei aos homens que sejam bons ou maus. Não quero o dia nem quente nem frio. Não plantarei e não colherei.

Hoje não calarei a voz, mas também não falarei. Não amarei e nem terei rancor. Não esquecerei nem lembrarei. Não dormirei nem acordarei. Não desprezarei nem apreciarei as flores. Não vou rir e nem vou chorar. Não rasgarei e nem costurarei. Não matarei e nem sararei o que está ferido. Não abraçarei e nem me afastarei. Não irei me isolar, mas também não me entregarei.


Hoje, somente hoje, por não fazer tais coisas, tragicamente, não viverei.
Nem morrerei.

7.8.10

Crônica de aniversário

Todas as pessoas são boas em alguma coisa. E por serem boas naquilo que fazer, ocupam uma cadeira no mundo, feita sob medida. Mas se The Beatles só existia agora no disco de vinil do colecionador, e se Pelé só entra em campo pra assistir jogo, como é que ela, uma menina feita de palavras, conseguiria sobreviver ao tempo e ao esquecimento? De que forma fugiria das borrachas e lixeiras que insistem em apagar a história escrita durante tantos anos?

Quis muito ser boa em alguma coisa, mas sempre que tentava algo novo os defeitos que possuía impossibilitavam-na de preenher uma cadeira sem que faltasse ou soubrasse alguma coisa. Então um dia resolveu sair de casa e procurar uma cadeira qualquer que pudesse preencher. A primeira cadeira era muito alta, e não pôde subir. Voltou pra casa chorando, encharcada de lágrima. Mas não desistiu! No outro dia, tentou novamente. Mas havia cadeiras altas, baixas, largas e estreitas, nunca uma que se encaixasse perfeitamente. E voltava sempre pra casa chorando, encharcando as suas roupas.

Até que, certo dia, não pôde mais sair de casa. Todas as suas roupas estavam no cesto de roupa suja! Então pegou as roupas manchadas de lágrimas, e levou para o quintal. Um passarinho a espiava, enquanto ela expiava os seus pecados. Foi quando lavou todas as suas roupas, tanto e tanto, que ficou muito cansada e deixou-se cair. Sentou no chão, e logo percebeu que ele a acolhera apesar das suas formas, dos seus defeitos. E que ela poderia não ter uma cadeira feita sob medida, mas tinha todo esse chão, e todas essas flores dispostas a lhe acolher. Então ela preencheu o seu lugar no mundo. E desde agora, e para sempre, lava suas roupas manchadas de histórias. E estende, pacientemente, uma a uma, as Roupas no Varal.

P.S.: 1 ano do meu bloguito! Acho que eu não esperava chegar até aqui. E nem sei se vou continuar. Mas, deixa rolar! :b

4.8.10

O Espetáculo, parte II

(...) Mas aquela bailarina era mesmo perfeita. Nunca iria olhar para mim, um pobre palhaço atrapalhado, que não sabe falar nada bonito que a encante. Não tenho nem um pouquinho de graça ao lado da doçura dela...- Era o que o Palhaço Assobio ficava pensando sempre ao final das apresentações, quando o circo não passa de uma tenda, habitação de humanos e mortais.
Mas ele a amava tanto, e tão sinceramente, e com tanta reserva, que nem chegava a desejá-la. Era um amor que não exigia maiores aproximações, não sonhava com a posse nem com a presença consentida, consciente e concreta do bem amado. Amava-a com tanta precaução, que sempre ao final da sua apresentação cuidava para que ela não o visse ali, com cara de bobo, com um sorriso que ia de uma ponta a outra do rosto. Ficava ali sentado acompanhando atenciosamente os passos da sua Bailarina. E a melhor parte era quando ela começava a rodopiar, a rodopiar, a rodopiar...
Mas na noite passada havia sido diferente. Com todo o descuido que tinha guardado consigo, tropeçou numa enorme caixa e espatifou-se em cima dos manequins. Foi exatamente na hora em que a Bailarina saía do palco, e encaminhava-se pro seu camarim.
- Você está bem?
O Palhaço logo reconheceu aquela boca estrelada. Não era possível! Sua Bailarina estava ali, de mãos estendidas, o ajudando...
- Sim! É que. Eu estou bem sim. É. Eu sou um pouco desastrado e acabei fazendo esse estrago!
Sentiu as faces coradas, e um calor que nunca havia sentido, nas bochechas tingidas. Mas então a música, nunca ouvida antes - e ah, como era belissíssima! - soou aos seus ouvidos. Penetrou-lhe os tímpanos, o cérebro, o coração, atingiu o estômago como um soco. Um soco e um abraço simultanêos. E nem teve tempo de apreciá-la direito, e ela já havia acabado. Enquando se levantava desajeitado, tentando arrumar a bagunça, viu a Bailarina indo embora, com um sorriso no canto da boca.
Desde ontem não ouviu outra coisa a não ser a risada da Bailarina. E quando quis dormir, não pôde, pois havia uma Bailarina em seus olhos. Quis pedir que ela, por favor, deixasse-o dormir, mas havia uma Bailarina atravessada na sua garganta.
Ah, minha doce Bailarina!

1.8.10

O Espetáculo, parte I

Não há nada mais gratificante do que ser o motivo da alegria das pessoas. - Alegava sempre o Palhaço Assobio. Como gostava de ser atrapalhado e estabanado! Como gostava de levar um belo tapa técnico na cara, cair, levantar desorientado, e ouvir aquele coral de gargalhadas! Nem a mais bela das mais belas sinfonias soava tão bem aos seus ouvidos quanto uma risada extrapolada! Ele realmente gostava de fazer feliz as outras pessoas. Mas só soube de verdade o que era ser feliz quando conheceu a sua bailarina. A Bailarina não fazia parte do seu acervo de perucas ou de paletós coloridos. Ela era o que nunca lhe pertenceria, mas que definitivamente, seria sempre sua.
Logo após a sua apresentação, o Palhaço Assobio escondia-se atrás das cortinas para esperar a apresentação da Bailarina. Ah, como ela era graciosa! Como era delicada, doce, tão bem detalhada, minunciosamente encaixada, chegava até a ser perfeita... E o sorriso, ah, o sorriso! Era ele o motivo principal daquela paixão secreta do Palhaço pela doce Bailarina. Era um sorriso tímido, de uma boquinha muída e vermelha, com uns dentinhos muito brilhantes.
- Ainda que todas as luzes do mundo se apagassem, e no céu não houvesse um só raio de sol, o sorriso da minha bailarina iluminaria desde o nosso circo até o Japão! (...)