22.10.13

Sobre os olhares

Querido Orlando,

foi de tanto querer sonhar com os olhos fechados que eu comecei a me enxergar por dentro. E vi que não existe vendaval mais brando do que esse quando os olhos do outro tentam pousar nos meus. E quando procuram dentro desses meus olhos escuros de abismo qualquer sorriso que lhes dê remissão. Mas não encontram nem fresta nem raio de luz. Não encontram sequer um resquício de manhã. Por que esses meus olhos escuros de abismo têm medo de que o outro se perca neles e nunca mais se encontre. E enquanto o outro não se encontrar, nossos braços vão andar enlaçados atravessando as ruas da cidade. Os nossos passos rimarão em um caminho onde as flores - que não são de plástico - desabrocham em favor dos nossos versos. Nossos lábios esboçarão sorrisos tão límpidos, que até os passarinhos entenderão.
E eu não posso deixar isso acontecer, Orlando. Isso não pode acontecer enquanto eu, tão cheia de minhas razões, não consigo olhar pro outro e enxergar a sinceridade transbordando nas suas palavras. Não posso permitir que ele atravesse os escuros do meu abismo, que me ofereça flores. Não posso deixar que me olhe assim.

Então, eu peço: não me olhe assim, que o olhar do amor é desconcertante.