30.4.10

Eu sobre mim

Por que a gente é assim, hein?
Uns dias tão seca, que nem o céu estrelado nos arranca suspiros.
Outros dias tão boba, rindo à toa, vivendo ...

Poeminha para um peixe

 Para Lorena Ribeiro
O mundo é teu mar, menina!
Nada os sete mares
Encontra o teu caminho
Encanta outros peixinhos
E nunca desanima

Mergulha com certeza
Deixa que te leve a correnteza
E que nenhum pescador te pegue
E te coloque em um aquário
Pra que sirvas de mostruário
Porque és tão bela

Faz a tua história
Veja a tua glória
Segue a sua sina
Sempre com auto-estima
Pois o mundo é teu mar, menina!

25.4.10

Querida Glorinha

Quanto tempo a gente leva pra deixar que os nossos olhos descansem da espera? E deixar que eles se fechem suaves, devagar, enquanto vem um anjo e vai prendendo nossos cílios, um a outro, na tentativa de que a gente não acorde nunca mais? Quanto tempo a gente leva pra se acostumar com o telefone que nunca toca, com a voz do outro lado que nunca mais vai dizer: tô voltando? Nunca mais. Foi nesses dias, Glorinha, que eu percebi que a falta que a gente sente do outro às vezes é tanta que a gente esquece da gente, que a gente se perde dentro de si mesmo, que a saudade nem é mais da gente porque nem existimos mais. Só o outro. E a saudade, com seus ares de chantagem, está em toda parte. No livro, na árvore, no caixa de supermercado, na fila do banco, no portão de saída... E quando chega a noite, ela escolhe o pior lugar, deita bem do lado da gente na cama e fica acariciando a nossa face, enxugando os nossos olhinhos úmidos, repetindo a última frase ouvida, e nos lembrando que "não volta nunca mais."

20.4.10

Polícia e Ladrão

Quando amanheceu de fato, o céu era azul como na manhã passada, os carros passavam como na manhã passada, pessoas caminhavam como na manhã passada.

Na manhã passada ele era apenas um dos garotos brincando de polícia e ladrão. Os becos do lugar onde morava eram esconderijos, labirintos de se passar uma vida inteira perdido, procurando luz, caminho, perdido junto com as balas nas paredes da casa que um dia acertaram um homem mau. O menino na barra da saia da mãe procurava abrigo, segurava firme nas pernas da mulher que estava na lavanderia. Se o menino soubesse da manhã de hoje, nunca haveria largado da sua mãe.

Mas logo as vozes imitavam disparos, acertavam o menino, e ele caía no chão, encerrando assim o ato. Fim do ato, recomeço da brincadeira. O menino corria muito, corria fugindo do amigo-policial, correu tanto que envelheceu nas ruas, correu tanto que além de deixar pegadas, manchou o asfalto, a calçada, e parou embaixo do carro. O carro não lhe oferecia a segurança da barra da saia da mãe. Da mãe que sentia junto com o filho a dor quente, o sangue na perna, na cabeça, no braço, tonto, caindo, mas correndo... A mãe sentada junto a porta de casa, esperando o filho voltar da brincadeira, fazendo sua prece e acariciando o ventre com as mãos, querendo que ainda estivessem lá todos os seus filhos - os vivos, os mortos, e os quase lá - querendo deixá-los lá por muito tempo, porque sabe que um dia acertaram um homem mau.

Os disparos causando vozes de súplica, acordando toda uma rua, fazendo a menina chorar de susto, de medo, de pena do menino que já brincou de polícia e ladrão, e agora está caído ali, mãos no rosto, um rosto de súplica, e um coração jorrando sangue e maldade.

Quando amanheceu de fato, o céu era azul como na manhã passada, os carros passavam como na manhã passada, pessoas caminhavam como na manhã passada.

16.4.10

Conspiração

Era nova a sandália. Nova, nova não era. Mas também não era velha.
Pois a sandália, senhores, a sandália arrebentou. Logo na hora do atraso, logo no dia em que tudo dá errado.
O mundo, que antes fazia apenas o movimento de rotação e translação - e era o máximo que ela achava que ele podia fazer - resolveu conspirar contra alguém. E voltou pra casa, senhores. Voltou e calçou outra sandália.

A sandália que fora substituída foi elogiada. Bonita a sandália. Bonita. Acalmou-se a moça, sentou no ponto de ônibus e criava expectativas, listando (sempre a mania das listas) em ordem de maior probabilidade "Coisas que ainda podem acontecer hoje para piorar o meu dia". Logo vem um menino. O menino, senhores, era bonito. Mas era tão sujo e tão mal-arrumado que mesmo o sorriso, ainda que encardido, não conseguia ressaltar a beleza do menino.Nunca havia recebido um elogio. Os pés do menino descalços.

Menino, cadê sua sandália? Sua sandália também arrebentou?  Também o mundo conspira contra você, menino? Também foi baixa a sua nota da prova? Também contaram a verdade que voce não queria ouvir? Você também não suporta ouvir coisas ridículas de pessoas bobas? Você tem também um problema desse tamanho? Desse tamanho aqui, menino - e abriu os braços na tentativa de fazê-los dar a volta no mundo.
- Também arrebentou sua sandália, menino?
- Nunca tive sandália, moça.

A moça entendeu, entendeu que o menino sorria justamente porque nunca tinha calçado uma sandália. Não ficará triste nunca, pensou, não ficará triste nunca porque nunca terá uma sandália quebrada.
O menino nunca teve uma sandália, e quem sabe, nunca terá. Assim não há risco de se ficar triste, de se zangar, quando não se tem uma sandália quebrada.

A moça vai ter tantas outras tristezas, vai chorar tantas outras vezes, porque sempre vai ter uma sandália pra substituir a quebrada.
Sempre haverá outra sandália.

14.4.10

Sobre a confiança

Um passarinho amarelo pousou perto do menino
Que lhe jogou migalhas de pão e foi retribuído com um sorriso.
(Sim, pássaros sorriem!)
Os ponteiros do relógio trabalhavam
Mas nesse momento o tempo (ah, o tempo!), o tempo parou.

12.4.10

Cotidiano

Todas as manhãs acordava com o travesseiro encharcado de sonhos. No ritmo que abria a janela, abria também o sorriso.
Por que será que a vida parece melhor e mais bonita de manhã, quando há sol, vento fresco, céu azul?
Se debruçava na janela, falava com os girassóis e olhava atentamente para os rostos na rua desta gente que acordou ind'gorinha, que sorri, que canta, que cumprimenta os que passam.

Todas as tardes se banhava na mentira de chuva que era o seu chuveiro. Toda ela era flor, regada delicadamente, a água acariciando a pele de pétala, e escorrendo até o ralo.
 Pra onde iria aquela água que agora cheirava à menina-flor?

Todas as noites sentava na varanda pra lembrar todos os sonhos escondidos no travesseiro. Nos olhos, a saudade de um lugar nunca visto, uma saudade impossível. Impossível?...
Um dia - quem sabe? - um vento bom ou mau passa e leva a gente. Um dia...

Todos os sonhos eram descanso para os olhos cansados de espera da menina. Num desses sonhos veio um vento - bom ou mau? - e levou para longe a menina que queria viajar, que falava com os girassóis, que olhava todos os dias para o céu só pra garantir que ele continuava azul, que as nuvens ainda estavam lá em cima, que o sol (tão cor de sol), ainda brilhava...
Nesse sonho, a menina não viu mais nada disso, mas dançou com o vento - o vento que tira a vida - até que eles dois se tornaram um.

Entenda:

Você não é melhor do que ninguém.

11.4.10

Sobre nós

O cadarço mal amarrado
É queda na certa
Um passo descuidado
E um galo na testa.

Nós, por exemplo.

6.4.10

Conversando com meu amigo Pedro II

E o que você me diz, Pedro? Você que gosta de falar muito, que sabe falar muito, que gosta de interromper muito também, né?
Olha, mas se eu falar e ninguém quiser ouvir? Igual quando a mãe da Glorinha, coitada, tão menor que a filha, chama ela pra entrar e ela nem aí: continua na rua brincando. Aí chega o pai dela, aquele homem grande, que bota medo em qualquer cachorro de rua e grita: Ei, menina, entra! A Glorinha nem calça o chinelo e vem correndo. Só que eu não sou grandre, Pedro. E eu acho tão feio gritar. Porque o que eu gosto de falar é pouquinho, e fica mais bonito baixinho. baixinho...

5.4.10

Conversando com meu amigo Pedro I

Mas eu não sei não viu, Pedro? Quem já viu, Pedro? Come toda a comida, come tu-do! Você é magrinho demais, engole, vai. Olhe, engole. Eu como direitinho, Pedro. Agora mesmo acabei de engolir tudo o que eu queria falar. Assim, acabei agora não, sabe? Faz um tempo. Ora bolas! Ora bolas! O tempo não interessa! Come enquanto eu conto. O tempo não importa, só sei que foi o necessário, o tantinho exato, pra recuperar o ar que me faltou enquanto as palavras desciam desordenadamente goela abaixo.
Per... ô Pedro, pera. Come devagar né? Mastiga essa comida senão você fica com dor de barriga.
Eu acho que a gente não devia deixar de falar algo, sabe? A gente não devia engolir as palavras que deveriam estar no ar uma hora dessas. Por que tem vez que quando a gente engole não faz nada bem. E eu nunca ouvi falar de remédio pra má-ingestão-de-palavras-não-saídas.