26.2.10

Amiguinho cinza-do-cabelo-roxo-e-olhar-verde


Eu já me achava um tanto "crescida" pra desenhar. Mas ontem eu precisava de alguma coisa que me fizesse pensar como criança, entender como criança, perdoar como criança, aceitar como criança, ser criança. Não necessariamente todo mundo que cresce tem que virar grande, né? Eu, vejam só, eu nem sou tão grande e nem sou mais criança. Mas se eu quiser brincar no parquinho não vão deixar. E se eu quiser sair sozinha à noite também não. É complicado. Tudo pra mim e em mim é muito complicado. Crianças não são complicadas. Tô fazendo nada, vou desenhar. Peguei o caderno de desenho que há muito não usava, procurei os lápis de cor e reparei que faltavam algumas cores. Fiquei feliz por que o lápis amarelo ainda estava lá. Respirei aliviada. Pra mim amarelo é a cor mais bonita do mundo, sabe? Peguei o resto das cores e pintei o meu amiguinho aí. Ele é diferente propositalmente. Esse cabelo roxo e a pele cinza não são vistos em todos os desenhos que circulam na TV. No desenho da folha o lugarzinho do olho ficou todo borrado por que não sei desenhar olhos. E eu queria que meu coleguinha olhasse diferente. Desenhei o que pude e tingi de verde. Pra mim, todo mundo deveria ter um olhar verde, que é a minha-segunda-cor-mais-bonita. Ainda no meu desenho da folha, desenhei um calção azul com dois bolsos que ele podia guardar qualquer coisa por que dentro deles havia mais bolsos, e dentro dos bolsos dos bolsos mais bolsos... Umas perninhas cinza que não diferenciavam coxa, joelho ou canelas e um tênis verde com amarelo. Terminei meu amiguinho cinza-do-cabelo-roxo-e-olhar-verde. Não dei um nome, acho que ele mesmo pode escolher o que achar melhor.
- O que é isso?
- Um desenho, ué.
- Deixa de ser idiota!
Sorri. Fechei o caderno e fui fazer minhas coisas de gente (meio) grande.

17.2.10

E eu que não gosto de matemática II

Quando eu disser "some", não pense que eu estou mandando pegar o próximo vôo pra lugar nenhum.
Quando eu disser "some", junte todas as palavras, todos os carinhos, todos os beijinhos antes da briga e some.
Adicione alguns sussuros ao pé do ouvido, aquele passeio na chuva e o dia em que você tombou comigo. Some.
Mas se quiser mesmo sumir, amor, me leve junto.

E eu que não gosto de matemática

Hoje eu odeio matemática. Mas tem uma coisa que tô gostando de fazer: Simplificar a vida.
Subtrair o medo.
Somar silêncios.
Dividir amor.
Multiplicar sorrisos.

8.2.10

Fazer valer a pena



Durma quando o sono bater, acorde ao meio-dia, declame um poema, escreva um livro, dê o dízimo, faça um filme, assista desenho animado, desligue um pouco a TV, faça listas, crie um blog, morda o pirulito, troque uma lâmpada, cante no chuveiro, pare de fazer qualquer coisa pra admirar o céu, corra na praia, vá descalço pra o quintal, parabenize, pise numa poça de lama, invente comidas, use uma flor no cabelo, salve uma formiga, dance com uma vassoura, prefira os outros, e se apaixone todo dia por você.

Beba água na boca da garrafa, plante um pé de feijão, ceda o seu lugar, tropece e ria de si mesmo, faça missões, durma na sala de aula, imite um rapper em frente ao ventilador, doe roupas, peça um abraço, deixe o canto da boca sujo de sorvete, fale o que a voz quer dizer, aposente seu relógio, nomeie estrelas, faça mechas laranjas no cabelo, fotografe, leia um livro infantil, chore assistindo Edward mãos de tesoura, adote o vegetarianismo, converse com seus pais, agradeça, invente uma dança, suba em árvores, tenha medo de algo, e se apaixone todo dia pelo mesmo alguém.

Molde nuvens, converse com as plantas, participe de um protesto, decore um versículo por dia, assobie uma canção qualquer, fale com crianças como se fosse uma delas, deite na cama de cabeça pra baixo, viole regras, tome banho de chuva, experimente usar três camisas, ouça Molejo e The Beatles, converse com o espelho, escreva seu dia numa folha qualquer, vá de ônibus, sente numa janela, use gírias, cometa erros, marque um encontro, e se apaixone de verdade por alguém.

Desça no corrimão de uma escada, colecione discos de vinil, tampinhas de lata ou selos, ore de joelhos, monte uma barraca na sala de casa, ande de bicicleta, recicle o lixo, frequente a Escola Dominical, saia de casa sem rumo, volte quando Deus quiser, aprenda a tocar um instrumento, use protetor solar ao invés de maquiagem, finja ser um super herói, perdoe-se, gaste horas imaginando possíveis situações, inove, Ame a Deus.

5.2.10

Do encontro

Sabem aquela menina ali, sim, à direita da árvore, de vestido amarelo? Isso! A do sorriso na face! Ela agora sorri, Senhores. Sorri porque. Estão vendo a bolsa de palha ao seu lado? Dentro da bolsa ela guarda a sua felicidade. Conheci aquela menina naquela hora da tarde em que faz muito vento, embaixo daquela árvore mesmo. Ora, mas isso não interessa. O que realmente interessa é que eu a conheci.
Não, a sua felicidade não era do tamanho daquela bolsa, era bem maior! Como caberia ali? Ora, é dobrável, é flexível, é simples. Um sopro e ela consegue fazer com que a felicidade seja imensa e ao mesmo tempo tão pequena. Tão simples como tomar um sorvete sentada no banco daquela praça, tão pequeno quanto aquele pombo ali no fio. No fio que balança e não causa medo. Cede. Mas o pássaro, e muito menos a menina, se preocupam: aquelas asas, senhores, se aquele animal as tem, é porque sabe que pode voar!

E a menina, que há muito não sorria, agora estampa a face com flores, cores, poesias. É a felicidade que ela aguardava a tanto tempo e que nunca encontrou nem na gaveta, nem na janela, nem embaixo do travesseiro.
Achou-a quando não mais procurava. E foi aí que achou o sentido da vida: esperar. Quando me falou isso também indaguei se cruzar os braços já havia lhe trazido alguma coisa. Engano, senhores. Engano. A espera dela consistia em aguardar o melhor. Em se guardar pra o melhor.  Foi aí que achou aquilo que está dentro da sua bolsa.

Implorei, roguei, cantei que me deixasse ver o que guardava com tanto apreço ali dentro. Clamei, chorei.
Confortou-me explicando coisas com poucas palavras. Toda a brevidade que possuía usou ali naquela frase que encheu completamente a minha alma.
Não vos digo (por não saber) o que guarda ali naquela bolsa, nem a frase (por ser só minha) que a menina sussurrou. Mas eu espero senhores, espero que esbarrem com aquela menina. Espero que o olhar dela também vos acerte. Espero poder um dia ocupar minha bolsa com uma felicidade como a dela.

3.2.10

Os dispostos se atraem

O boneco de lata estava ali na prateleira há muito tempo. Tanto tempo passou que ficou velho. Teve a péssima idéia de contar os dias, as noites, os anos e, agora, não conseguia mais perder a conta. E aí ficava triste, muito triste por que tudo passava, menos uma pessoa qualquer que o tirasse daquele sufoco. Alguém que lhe desse um coração, pra assim ele poder virar gente. Ele adorava gente.
Gente fala. Gente canta. Gente come. Gente anda. Gente dirige. Gente é muito importante (Tinha gente até que é presidente.). Gente estuda, escreve poema, compõe canção. Gente ama. Briga. Vai embora. Volta. Se arrepende. Gente sente. Gente pensa cada coisa, ele pensava.
Como ele se sentia triste se não tinha coração? Ora, não duvide! Gente muitas vezes se engana.
 E lá ficava o boneco de lata.
Enferrujado.
Amassado.
Abandonado.
Esquecido.
Sem graça.

Entravam e saiam pessoas daquela loja procurando carrinhos de controle remoto, bonecas que falavam, skates, mas nunca procuravam o boneco de lata. Ninguém nunca olhava pra ele nem pra dizer "que bonitinho!", "olha mãe, eu quero um desses!", "tão simpático", ou essas coisas que pessoas que tem coração dizem quando ele amolece por algum motivo.
Não tinha jeito. Era o seu triste fim, enfim.

Mas por que será que esse boneco não queria uma coisa mais fácil? Um coração, boneco? Sei lá por que, ora. Nem tudo no mundo é explicável.
Mesmo sendo tão desprezado, o fato era que ele havia decidido: queria alguém que pudesse lhe dar um coração. E haveria de encontrar alguém que quisesse lhe dar, não é verdade? Não dá pra entender algo tão óbvio? O boneco precisava de um coração urgentemente pra despejar no coração desse alguém todo sentimento que havia guardado no seu vazio feito de lata. Mesmo quando passava alguns meses sendo ignorado, pensa que ele desistia? Que nada. Botou na cabeça que ia encontrar um coração e não era do tipo de boneco de lata que se deixa abater pelas dificuldades que aparecem sempre.

Dias e dias passaram até que acordou ouvindo certos passos que já pensou ter ouvido antes. Talvez num daqueles sonhos nas noites de chuva em que se encolhia todo pra que a água não pingasse no seu corpinho frágil de lata. Era uma menina. Sozinha, magrinha, sem graça. Mas ele viu nela o coração mais lindo e mais espaçoso e mais disposto a receber sentimentos do que qualquer um que haviam entrando por aquelas portas.
- É ela! - pensou ele fazendo pinta pra que o notasse.
Estava ali pra escolher seu presente de aniversário. A menina mergulhou os olhos nas prateleiras, vidrou nas bonecas, avançou o olhar pra aquela bailarina, virou, e bateu. Bateu com os olhos nos olhos do boneco. Vibraram. Nenhum outro brinquedo conseguia ser tão expressivo como o boneco de lata.
- Eu quero aquele, mamãe.
O boneco de lata sorriu. Ela segurou-o junto do peito e saiu da loja como se carregasse o seu troféu. E por onde ia, levava o boneco. E tudo o que acontecia, contava ao boneco. E o boneco achou lugar no seu coração. Ele não podia andar, comer, falar, ou essas coisas que Gente faz. Mas podia dormir no coração da menina e compartilhar os seus sentimentos com ela.

- É louca - comentavam suas colegas. - Como é que essa menina foi querer logo o mais feio?
Nem todo mundo sabe que o verbo querer fica muito melhor de dupla. Um querendo de lá e outro querendo de cá viram dois que se completam.
 E quando isso acontece- dois quereres ao mesmo tempo - os sinos sempre badalam, os olhos piscam feito estrelas, os corações batem mais forte, razões perdem completamente o sentido, tudo vira maravilha em volta, a vida fica quase tonta e o resto não importa.
Pena que tinha gente que não entendiam a relação entre o boneco e a menina. Gente procura explicação pra tudo, justificativa, motivo nobre, benefício, julgamento. Perde muito tempo analisando. Dá importância além da conta a coisa menos importante que o momento.
Gente pensa demais de vez em quando.
Tanto é que tem gente que até hoje não entende quando vê a menina sorrindo sozinha agarrada com seu boneco de lata, juntinhos e felizes, e pensam: Que engraçado.