30.10.10
Par de sapatos
Sapatos são feitos aos pares. E aquele par que calçava em meus pés acusavam-me da perca de tempo que era se deixar estar sentada naquele degrau, enquanto o mundo sorria lá fora, e a primavera impunha a suas delicadezas no desabrochar de uma pequena flor. E foram esses mesmos sapatos que um dia me disseram que alguns passos adiante levariam-me ao além-mar, onde o mar e o céu se dão um abraço infinito. Mas um abraço não pode ser visto, e os sonhos não são tão fáceis de se dissipar quanto as nunvens. Esse par, que um dia evitou que meus pés, cansados, pisassem em problemas enquando eu não conseguia entender que um coração pode receber em troca do amor, a ingratidão de um outro que não se importa com o tanto de remendos que você precisará fazer depois da chuva forte e impetuosa. Esse par agora me olha. Esse par de sapatos - tão velhos - e tão belos quanto os silêncios de um girassól.
20.10.10
Primavera invencível
Era setembro, e eu nunca mais vou esquecer: eu andava nas ruas de pedra com os olhos cegos de lágrima; eu inudando as ruas nas águas das minhas tristezas; eu rompedo os muros e desmoronando casas; alagando ninhos de passarinhos e afogando as pessoas em águas choradas.
Se ao menos eu tivesse notado o quanto um cogumelo com teto de nylon acolhe, com suas hastes de material tão frio, e o seu cabo de metal inoxidável, o que os braços de um homem não quer mais; se ao menos tivesse notado as pequeninas flores de primavera que caíam sobre o cabelo da moça, adornando-a sem fita e sem laços, fazendo brotar a beleza não manifesta nos traços do rosto tão ríspido; se eu tivesse parado um instante, um instante que fosse, e admirado as pequenas plantinhas que insistem em nascer entre a terra e o asfalto, então eu teria me confortado, e teria me apaixonado mais uma vez por esse mundo real, que só queria olhos bem abertos para desabrochar em delicadezas. Delicadezas impostas em um raio de sol acariciando os rostos dos transeuntes. Mas tudo isso eu não pude ver numa manhã tão fria como uma pedra, quando os meus olhos, forrados por cílios e trancados com ferrolhos não quiseram enxergar o mundo por trás das cortinas; um mundo entregando-me a mais bela das flores e dizendo: não chora que hoje é um dia feliz.
Então ele chegou em silêncio para dizer que os seus olhos também inundavam; que todos os olhos se inundam quando erguidos sobre o aterro da solidão. E que eu deixasse que toda a água corresse, para que então pudesse lavar a noite que existe no vazio do coração, tanto, tanto, e tanto... até que amanhecesse.
Se ao menos eu tivesse notado o quanto um cogumelo com teto de nylon acolhe, com suas hastes de material tão frio, e o seu cabo de metal inoxidável, o que os braços de um homem não quer mais; se ao menos tivesse notado as pequeninas flores de primavera que caíam sobre o cabelo da moça, adornando-a sem fita e sem laços, fazendo brotar a beleza não manifesta nos traços do rosto tão ríspido; se eu tivesse parado um instante, um instante que fosse, e admirado as pequenas plantinhas que insistem em nascer entre a terra e o asfalto, então eu teria me confortado, e teria me apaixonado mais uma vez por esse mundo real, que só queria olhos bem abertos para desabrochar em delicadezas. Delicadezas impostas em um raio de sol acariciando os rostos dos transeuntes. Mas tudo isso eu não pude ver numa manhã tão fria como uma pedra, quando os meus olhos, forrados por cílios e trancados com ferrolhos não quiseram enxergar o mundo por trás das cortinas; um mundo entregando-me a mais bela das flores e dizendo: não chora que hoje é um dia feliz.
Então ele chegou em silêncio para dizer que os seus olhos também inundavam; que todos os olhos se inundam quando erguidos sobre o aterro da solidão. E que eu deixasse que toda a água corresse, para que então pudesse lavar a noite que existe no vazio do coração, tanto, tanto, e tanto... até que amanhecesse.
2.10.10
carta ao meu amigo Orlando
Querido Orlando,
Se é mesmo possível haver uma medição de tempo, eu desconfio. O relógio é só uma invenção do homem na tentativa de poder enxergar a passagem do tempo, e de alguma maneira, achar que ele pode estar nos números finitos. Mas quando eu seguro a tua mão, Orlando, e os nossos dedos se cruzam num vai e vem de caminhos perdidos, o tempo se esvai por entre as brechas e escorrega pelos braços, cotovelos... O tempo se esvai e some. Não no mesmo caminho da água. Ele entra nos poros e se aloja. E quando há muito tempo na sua pele, vai se tornando cada vez mais difícil pra ele se alojar de forma que você se sinta confortável. Então, na tentativa de salvar sua própria pele, a fim de que ela simplesmente não arrebente, ele se junta num cantinho, e vai juntando, e formando rugas, e se detendo nos cantos dos olhos, da boca, das mãos...
E eu fico aqui pensando se não há uma outra forma de termos tempo e não criarmos rugas. E se o tempo pudesse ser bebido, qual seria a forma que ele encontraria de sair, e criar uma enorme nuvem para então chover tempo novamente. A nuvem que, algum dia, desceria furiosa, castigando janelas e portas, enquanto eu tentasse salvar, no colo do meu vestido, a mais bonita de minhas histórias. E se o tempo nos regasse, se envelheceríamos de vez ou se impressionantemente teríamos ,enfim, a fórmula da juventude.
E ainda penso nisso: eu sentada naquela cadeira, folheando as idades passadas escritas no álbum de fotografia ou nas cartas a ti escritas. E penso, meu querido Orlando, com muita certeza, que qualquer tempo que exista entre as palavras e os corpos, entre o texto e a pele, ou entre os tecidos e as teias, não pode apagar da minha memória os teu olhos que um dia encontrei. E foi por eles, que um dia abri as janelas do meu quarto, e essas cartas comecei a te escrever.
Se é mesmo possível haver uma medição de tempo, eu desconfio. O relógio é só uma invenção do homem na tentativa de poder enxergar a passagem do tempo, e de alguma maneira, achar que ele pode estar nos números finitos. Mas quando eu seguro a tua mão, Orlando, e os nossos dedos se cruzam num vai e vem de caminhos perdidos, o tempo se esvai por entre as brechas e escorrega pelos braços, cotovelos... O tempo se esvai e some. Não no mesmo caminho da água. Ele entra nos poros e se aloja. E quando há muito tempo na sua pele, vai se tornando cada vez mais difícil pra ele se alojar de forma que você se sinta confortável. Então, na tentativa de salvar sua própria pele, a fim de que ela simplesmente não arrebente, ele se junta num cantinho, e vai juntando, e formando rugas, e se detendo nos cantos dos olhos, da boca, das mãos...
E eu fico aqui pensando se não há uma outra forma de termos tempo e não criarmos rugas. E se o tempo pudesse ser bebido, qual seria a forma que ele encontraria de sair, e criar uma enorme nuvem para então chover tempo novamente. A nuvem que, algum dia, desceria furiosa, castigando janelas e portas, enquanto eu tentasse salvar, no colo do meu vestido, a mais bonita de minhas histórias. E se o tempo nos regasse, se envelheceríamos de vez ou se impressionantemente teríamos ,enfim, a fórmula da juventude.
E ainda penso nisso: eu sentada naquela cadeira, folheando as idades passadas escritas no álbum de fotografia ou nas cartas a ti escritas. E penso, meu querido Orlando, com muita certeza, que qualquer tempo que exista entre as palavras e os corpos, entre o texto e a pele, ou entre os tecidos e as teias, não pode apagar da minha memória os teu olhos que um dia encontrei. E foi por eles, que um dia abri as janelas do meu quarto, e essas cartas comecei a te escrever.
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