3.6.10

Da despedida

Ontem eu saí de casa sem imaginar quem eu econtraria. E fechei a porta atrás de mim, sem ouvir o conselho da chave. E caminhei pelas ruas de pedra, sem escutar o canto dos passos. E entrei no ônibus sem escutar o aviso do vento. E sentei, sem perceber que aquela janela é o quadrado mundo que impede o navegante de ir além-mar. Fosse redondo eu poderia entrelaçar os meus dedos nos teus ou, quem sabe, buscar o horizonte onde divisam teus olhos. Mas foi quando você baixou a cabeça quando eu te olhei, que percebi os teus pensamentos caindo da cabeça e empilhando-se em cima de uma flor. Mas não a sufocaram. Por que teus pensamentos, de tão leves, foram levados pelo vento e eu senti o cheiro de luz e amor que eles tinham.

Ontem eu saí de casa sem imaginar o que aconteceria. E fechei a porta atrás de mim, sem ouvir as tuas últimas palavras. E caminhei pelas ruas de lágrimas, sem escutar o choro da alma. E pousei nos teus olhos sem entender que teu interior de lata é frágil. E sem perceber, e sem tempo de me defender, veio um vento tão forte que queria levar tudo embora. Me esforcei por segurar as últimas histórias que ainda estavam em meu colo. Mas você disse que flores nascem e morrem. E que histórias tem fim porque se passarmos toda a vida contando as histórias dos livros, não vivemos a nossa.

E o mundo nem estava em tempestades quando eu te procurei. Por que melhor que ter alguém pra ter acalmar na turbulência, é ter alguém pra te receber na calmaria. E eu não te procurei pra trazer guerra. O que eu trouxe junto com as minhas lágrimas foi amor. E o amor é fraco, meu boneco de lata; o amor é fraco e ele já se entregou. E se existe alguma guerra é essa: meus dedos sobre a sua camada fria de lata, e você se afastando, sem deixar que eu perceba a gota escorrendo na sua face e pingando no queixo. A única coisa que você fez foi me ajudar, então, como eu poderia ser ingrata ao ponto de te machucar? Eu sou carne e osso. Você, lata e poesia.

E agora, encosto o meu dedo em sua pele, mas ela não afunda. Não é possível. Desabotôo a sua camisa e deito a minha cabeça em seu peito, meu homem de ferro. Eu queria chorar, mas posso enferrujá-lo. Então, como viveria em paz sem a sua armadura? Sem nada entender, você se vira e vai embora. E só então eu percebo: a sua armadura é furada, meu amor. Nas centenas de furos sobre a lata, vai aguando todas as plantinhas ao seu redor. Você é, na verdade, um lindo homem regador.

7 comentários:

Hugo Viana disse...

Gostei bastante, já está nos favoritos, pra ler sempre (:

Polyana disse...

Que lindo Rute. *-* Foi muito bonito, tudo o que você escreveu. Muito mesmo.

Calango! disse...

Belo texto, Dorothy. Lindos sapatinhos.

GABRIEL, gustavo disse...

Cara Rute

Eu descobri que não posso ler seus textos com sono, porque eles saem da minha razão e vão parar direto no meu subconsciente.

Eu fico imaginando coisas e me vejo olhando seus textos como quem assiste almodovas, tarantinos ou burtons.

Como quem sonha.

Vejo os personagens e não entendo o que dizem, mas entendo quem são.

Porque o sono não fecha os olhos, abre portas para outros mundos.

Até mesmo o seu mundo.

Rodolpho Padovani disse...

Muito bom mesmo seu texto, vc soibe brincar com as palavras divinamente, adoro textos assim, que dão outros sentidos e ritmos suaves... Adorei...

Bjs...

Ariela disse...

a ambiguidade de sentidos que você usou foi fantástica.
gostei muito da sua forma de ver a realidade (:

Babi Leão disse...

É incrível como seus textos me deixam.
Posso ler 5 vezes e cada vez entender, sentir e visualizar uma situação diferente.
Estou andando nas nuvens lendo seu blog.. kkk