20.4.10

Polícia e Ladrão

Quando amanheceu de fato, o céu era azul como na manhã passada, os carros passavam como na manhã passada, pessoas caminhavam como na manhã passada.

Na manhã passada ele era apenas um dos garotos brincando de polícia e ladrão. Os becos do lugar onde morava eram esconderijos, labirintos de se passar uma vida inteira perdido, procurando luz, caminho, perdido junto com as balas nas paredes da casa que um dia acertaram um homem mau. O menino na barra da saia da mãe procurava abrigo, segurava firme nas pernas da mulher que estava na lavanderia. Se o menino soubesse da manhã de hoje, nunca haveria largado da sua mãe.

Mas logo as vozes imitavam disparos, acertavam o menino, e ele caía no chão, encerrando assim o ato. Fim do ato, recomeço da brincadeira. O menino corria muito, corria fugindo do amigo-policial, correu tanto que envelheceu nas ruas, correu tanto que além de deixar pegadas, manchou o asfalto, a calçada, e parou embaixo do carro. O carro não lhe oferecia a segurança da barra da saia da mãe. Da mãe que sentia junto com o filho a dor quente, o sangue na perna, na cabeça, no braço, tonto, caindo, mas correndo... A mãe sentada junto a porta de casa, esperando o filho voltar da brincadeira, fazendo sua prece e acariciando o ventre com as mãos, querendo que ainda estivessem lá todos os seus filhos - os vivos, os mortos, e os quase lá - querendo deixá-los lá por muito tempo, porque sabe que um dia acertaram um homem mau.

Os disparos causando vozes de súplica, acordando toda uma rua, fazendo a menina chorar de susto, de medo, de pena do menino que já brincou de polícia e ladrão, e agora está caído ali, mãos no rosto, um rosto de súplica, e um coração jorrando sangue e maldade.

Quando amanheceu de fato, o céu era azul como na manhã passada, os carros passavam como na manhã passada, pessoas caminhavam como na manhã passada.

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