15.6.10

Carta VI

Senhor,

Já faz um tempo que eu queria te escrever uma cor. Depois de passar o passado, acho que eu mesma esqueci dos tons, das notas, das pausas. Esqueci de retomar a música. Ficou a fermata na pausa no ar. O silêncio depois da nota aguda.

Da primeira vez quem sugeriu, eu sei, eu sei, fui eu. Entenda bem, senhor: meus dedos não sabem tocar. E foi tentadora a sua ajuda. Mas você deixou a música de lado. Deixou de tocá-la para me. Era pra solfejar, senhor! Solfejar. Acompanhando o compasso, compasso binário. Um, dois. Um, dois. Nós dois na mesma sala. Eu na minha voz, você na sua. Mas a música se uniu através dos lábios, e a canção nesse dia foi cantada para dentro.

Da segunda vez quem sugeriu também fui eu, eu sei. Mas eu não entendia que na música os sentidos se invertem. Que os braços beijam. Os olhos sentem. Os lábios veem. E de repente você anuncia pausa de oito tempos! Pausa de oito tempos! Não era pra ser assim, senhor. Isso faz parte do improviso, senhor?

Depois veio de novo desamarrando as cinco linhas do pentagrama e as amarrando em minhas mãos. Insistindo agora que a música ficasse. Também é contraditória a música, senhor. Eu queria alcançar sol, mas você só aceitou ir até lá. Então as claves, as colcheias, as mínimas, e as semibreves foram escorregando, saindo da nossa música. Já não há mais tom, nota, nem pausa. Acabou a música no instante em apareceu a barra dupla. Eu e você separados. Foi pra lá e levou parte de mi. Ficou apenas dó. A nota insistente que ainda soa. Dó.

7 comentários:

Sara Carneiro disse...

Lindo *-* Assim como todos os outros que tu já escreveu (:
''Então as claves, as colcheias, as mínimas, e as semibreves foram escorregando, saindo da nossa música. Já não há mais tom, nota, nem pausa. Acabou a música no instante em apareceu a barra dupla. Eu e você separados. Foi pra lá e levou parte de mi. Ficou apenas dó. A nota insistente que ainda soa. Dó.'' - a melhor parte pra mim.
Parabéns Rutinha, o blog tá lindo lindo lindo. Bgs:*

LARISSA MIRANDA disse...

Que lindo, que profundo guria!
Parabéns. Beijo :*

Douglas Thaynã disse...

Porque a música e as palavras são realmente encantadores. Um texto lindo!

E obrigado por ler o Sangue e Solidão! :)

Tamara Furlan disse...

arrazou, muito lindo. chocante! adorei o blog, parabens.

ps: confesso que o nome do blog me chamou muito a atenção!

Ariela disse...

A metáfora foi linda e a musicalidade formada encaixou perfeitamente no contexto. =)

Jaciara Macedo disse...

Muito lindo mesmo ^^
a mistura entre o amor e a música me tocou bastante. sempre é tempo de se tocar uma nova nota... beijos (:

Anônimo disse...

eu gostei muito, principalmente do fim.