25.5.10

Carta V (sobre o silêncio)

Querido Orlando, 

Hoje eu andei as ruas todas em silêncio, tentando fazer silêncio pelo lado de fora. Quando não quero que os meus pensamentos acordem as pessoas grandes do mundo, prefiro escrever uma carta sem muito ruído.

Ah, Orlando, vim pelas ruas lhe escrevendo cartas. Dois rapazes riram das roupas de um homem. Quis escrever cartas a esse homem também, mas dois passos eram ainda mais longe que Paris! Queria dizer a ele que não se sentisse desconfortável no mundo, tudo bem a sua blusa ser assim. O homem baixou a cabeça como se o mundo fosse lá embaixo, junto das plantinhas que insistentemente nascem nas calçadas feitas de cimento. Quis dizer que a blusa colorida e distraída brincava de voar no varal, acenando alegre às formiguinhas que atravessavam uma ponte improvisada entre uma calçada e outra. Quis dizer isso a ele, quis muito, mas não disse, é claro. Há tantas coisas que não dizemos a um desconhecido... Talvez, ainda mais, muito mais, aos conhecidos que estão separados de nós além da distância entre eu, o homem e Paris. Por que muitas vezes a distância que existe entre nós é só uma corda, na brincadeira de cabo-de-guerra. E ninguém se rende, Orlando. Ninguém. E se ninguém se rende, as palavras fogem. 

Por isso lhe escrevo, para que não se esqueça de nosso mundo quentinho, das palavrinhas miúdas que carregamos nos bolsos, e dos silêncios - mais insistentes que as plantinhas que nascem no asfalto - que transbordam nossa boca de risadas. Por hoje, fiquei com o começo desta carta e o silêncio que ainda permancesse entre os conhecidos. Por hoje, querido Orlando, por hoje, foi só.

3 comentários:

A! disse...

" E ninguém se rende, Orlando. Ninguém." tive serios problemas por ninguem se render :/
to seguindo blog, beijos :*

Rodolpho Padovani disse...

Até me deu vontade de escrever para todos q amo e dizer o que sinto... muitas vezes nos calamos qdo devemos falar...
Adorei o texto...

Bjs...

GABRIEL, gustavo disse...

O silêncio pode ser a maior distância que se impõe entre os seres humanos.