28.12.10
18.12.10
manual de utilidadades - Os Guarda-chuvas
Guarda-chuvas também podem ser usados como ponte a fim de estreitar os abismos que há entre um ombro e outro.
11.12.10
Primaveril
(...) tudo isso doeu muito, Glorinha.
Mas agora, olhando pela janela, vejo mirados para o céu os girassóis que plantei no início da primavera. Desde que minhas mãos ficaram sem as outras com as quais se ocupar, resolvi dar-me às sementes, que me aceitam mesmo sabendo que estou com elas para não ser só. Há isso de gratificante em dar-se aos girassóis: eles primeiro crescem no nosso coração para só depois brotarem na terra. Assim como quando a gente começa a ter amor por alguém; o amor pega e cresce porque, de certa forma, a gente quer que isso aconteça, e vai querendo e ajudando.
Por que eu me ocupei da semente, tenho colhido assim, em frutos intangíveis, a paz do canto de um passarinho. E que culpa tenho agora das flores que nascem sozinhas, nos canteiros, nos cantos, até no canto que a moça, distraída, canta espantando os seus monstros?
Mas agora, olhando pela janela, vejo mirados para o céu os girassóis que plantei no início da primavera. Desde que minhas mãos ficaram sem as outras com as quais se ocupar, resolvi dar-me às sementes, que me aceitam mesmo sabendo que estou com elas para não ser só. Há isso de gratificante em dar-se aos girassóis: eles primeiro crescem no nosso coração para só depois brotarem na terra. Assim como quando a gente começa a ter amor por alguém; o amor pega e cresce porque, de certa forma, a gente quer que isso aconteça, e vai querendo e ajudando.
Por que eu me ocupei da semente, tenho colhido assim, em frutos intangíveis, a paz do canto de um passarinho. E que culpa tenho agora das flores que nascem sozinhas, nos canteiros, nos cantos, até no canto que a moça, distraída, canta espantando os seus monstros?
30.11.10
dos últimos acontecimentos
Minha frase ecoando nos quatro cantos da casa: era só o que me faltava! Mas se é mesmo o que me falta, então que fique. E que preencha. E que nunca vá embora.
19.11.10
11.11.10
Meio termo
Todos os dias, eu pego o ônibus com um homem que ergue o olhar para o fundo do transporte enquanto passa pela catraca, e deixa seus olhos irem deslizando desde as últimas cadeiras. Avançariam até as primeiras se não me encontrasse ali no meio do ônibus, com a cabeça baixa sobre um livro enquanto pedaços dos meus pensamentos vão caindo e indo embora pela janela.
Todos os dias, após os olhos desse homem encontrarem-me no meio termo, entre a dúvida impetuosa e a vontade de deixar que os seus olhos pousem nos meus, seus lábios abrem um sorriso desejando-me um bom dia.
Poderia ser gentil, e levantar os olhos do livro, e deixar que qualquer coisa que haja entre a divisão dos seus cílios convença-me de que eu estou completamente errada quando penso que não há mais nem mesmo uma fagulha de amor nesse mundo. E que me convença ainda de que o mundo não pode conspirar contra qualquer ser humano, por menorzinho que ele seja. Pois o mundo - azul e redondo - não pode fazer nada além do seu movimento de rotação e translação.
Mas nada disso eu posso enxergar quando os meus olhos, com medo de se perderem na imensidão que é o olhar do outro, mantêm-se fixos àquilo que eu acredito ser a realidade. E qualquer distância entre a minha cadeira e a sua pode ser ultrapassada por alguns passos. Mas a distância maior ainda é essa: a distância entre o pensar e o agir. A distância que meu medo, tão cheio de pernas, não consegue ultrapassar.
Todos os dias, após os olhos desse homem encontrarem-me no meio termo, entre a dúvida impetuosa e a vontade de deixar que os seus olhos pousem nos meus, seus lábios abrem um sorriso desejando-me um bom dia.
Poderia ser gentil, e levantar os olhos do livro, e deixar que qualquer coisa que haja entre a divisão dos seus cílios convença-me de que eu estou completamente errada quando penso que não há mais nem mesmo uma fagulha de amor nesse mundo. E que me convença ainda de que o mundo não pode conspirar contra qualquer ser humano, por menorzinho que ele seja. Pois o mundo - azul e redondo - não pode fazer nada além do seu movimento de rotação e translação.
Mas nada disso eu posso enxergar quando os meus olhos, com medo de se perderem na imensidão que é o olhar do outro, mantêm-se fixos àquilo que eu acredito ser a realidade. E qualquer distância entre a minha cadeira e a sua pode ser ultrapassada por alguns passos. Mas a distância maior ainda é essa: a distância entre o pensar e o agir. A distância que meu medo, tão cheio de pernas, não consegue ultrapassar.
30.10.10
Par de sapatos
Sapatos são feitos aos pares. E aquele par que calçava em meus pés acusavam-me da perca de tempo que era se deixar estar sentada naquele degrau, enquanto o mundo sorria lá fora, e a primavera impunha a suas delicadezas no desabrochar de uma pequena flor. E foram esses mesmos sapatos que um dia me disseram que alguns passos adiante levariam-me ao além-mar, onde o mar e o céu se dão um abraço infinito. Mas um abraço não pode ser visto, e os sonhos não são tão fáceis de se dissipar quanto as nunvens. Esse par, que um dia evitou que meus pés, cansados, pisassem em problemas enquando eu não conseguia entender que um coração pode receber em troca do amor, a ingratidão de um outro que não se importa com o tanto de remendos que você precisará fazer depois da chuva forte e impetuosa. Esse par agora me olha. Esse par de sapatos - tão velhos - e tão belos quanto os silêncios de um girassól.
20.10.10
Primavera invencível
Era setembro, e eu nunca mais vou esquecer: eu andava nas ruas de pedra com os olhos cegos de lágrima; eu inudando as ruas nas águas das minhas tristezas; eu rompedo os muros e desmoronando casas; alagando ninhos de passarinhos e afogando as pessoas em águas choradas.
Se ao menos eu tivesse notado o quanto um cogumelo com teto de nylon acolhe, com suas hastes de material tão frio, e o seu cabo de metal inoxidável, o que os braços de um homem não quer mais; se ao menos tivesse notado as pequeninas flores de primavera que caíam sobre o cabelo da moça, adornando-a sem fita e sem laços, fazendo brotar a beleza não manifesta nos traços do rosto tão ríspido; se eu tivesse parado um instante, um instante que fosse, e admirado as pequenas plantinhas que insistem em nascer entre a terra e o asfalto, então eu teria me confortado, e teria me apaixonado mais uma vez por esse mundo real, que só queria olhos bem abertos para desabrochar em delicadezas. Delicadezas impostas em um raio de sol acariciando os rostos dos transeuntes. Mas tudo isso eu não pude ver numa manhã tão fria como uma pedra, quando os meus olhos, forrados por cílios e trancados com ferrolhos não quiseram enxergar o mundo por trás das cortinas; um mundo entregando-me a mais bela das flores e dizendo: não chora que hoje é um dia feliz.
Então ele chegou em silêncio para dizer que os seus olhos também inundavam; que todos os olhos se inundam quando erguidos sobre o aterro da solidão. E que eu deixasse que toda a água corresse, para que então pudesse lavar a noite que existe no vazio do coração, tanto, tanto, e tanto... até que amanhecesse.
Se ao menos eu tivesse notado o quanto um cogumelo com teto de nylon acolhe, com suas hastes de material tão frio, e o seu cabo de metal inoxidável, o que os braços de um homem não quer mais; se ao menos tivesse notado as pequeninas flores de primavera que caíam sobre o cabelo da moça, adornando-a sem fita e sem laços, fazendo brotar a beleza não manifesta nos traços do rosto tão ríspido; se eu tivesse parado um instante, um instante que fosse, e admirado as pequenas plantinhas que insistem em nascer entre a terra e o asfalto, então eu teria me confortado, e teria me apaixonado mais uma vez por esse mundo real, que só queria olhos bem abertos para desabrochar em delicadezas. Delicadezas impostas em um raio de sol acariciando os rostos dos transeuntes. Mas tudo isso eu não pude ver numa manhã tão fria como uma pedra, quando os meus olhos, forrados por cílios e trancados com ferrolhos não quiseram enxergar o mundo por trás das cortinas; um mundo entregando-me a mais bela das flores e dizendo: não chora que hoje é um dia feliz.
Então ele chegou em silêncio para dizer que os seus olhos também inundavam; que todos os olhos se inundam quando erguidos sobre o aterro da solidão. E que eu deixasse que toda a água corresse, para que então pudesse lavar a noite que existe no vazio do coração, tanto, tanto, e tanto... até que amanhecesse.
2.10.10
carta ao meu amigo Orlando
Querido Orlando,
Se é mesmo possível haver uma medição de tempo, eu desconfio. O relógio é só uma invenção do homem na tentativa de poder enxergar a passagem do tempo, e de alguma maneira, achar que ele pode estar nos números finitos. Mas quando eu seguro a tua mão, Orlando, e os nossos dedos se cruzam num vai e vem de caminhos perdidos, o tempo se esvai por entre as brechas e escorrega pelos braços, cotovelos... O tempo se esvai e some. Não no mesmo caminho da água. Ele entra nos poros e se aloja. E quando há muito tempo na sua pele, vai se tornando cada vez mais difícil pra ele se alojar de forma que você se sinta confortável. Então, na tentativa de salvar sua própria pele, a fim de que ela simplesmente não arrebente, ele se junta num cantinho, e vai juntando, e formando rugas, e se detendo nos cantos dos olhos, da boca, das mãos...
E eu fico aqui pensando se não há uma outra forma de termos tempo e não criarmos rugas. E se o tempo pudesse ser bebido, qual seria a forma que ele encontraria de sair, e criar uma enorme nuvem para então chover tempo novamente. A nuvem que, algum dia, desceria furiosa, castigando janelas e portas, enquanto eu tentasse salvar, no colo do meu vestido, a mais bonita de minhas histórias. E se o tempo nos regasse, se envelheceríamos de vez ou se impressionantemente teríamos ,enfim, a fórmula da juventude.
E ainda penso nisso: eu sentada naquela cadeira, folheando as idades passadas escritas no álbum de fotografia ou nas cartas a ti escritas. E penso, meu querido Orlando, com muita certeza, que qualquer tempo que exista entre as palavras e os corpos, entre o texto e a pele, ou entre os tecidos e as teias, não pode apagar da minha memória os teu olhos que um dia encontrei. E foi por eles, que um dia abri as janelas do meu quarto, e essas cartas comecei a te escrever.
Se é mesmo possível haver uma medição de tempo, eu desconfio. O relógio é só uma invenção do homem na tentativa de poder enxergar a passagem do tempo, e de alguma maneira, achar que ele pode estar nos números finitos. Mas quando eu seguro a tua mão, Orlando, e os nossos dedos se cruzam num vai e vem de caminhos perdidos, o tempo se esvai por entre as brechas e escorrega pelos braços, cotovelos... O tempo se esvai e some. Não no mesmo caminho da água. Ele entra nos poros e se aloja. E quando há muito tempo na sua pele, vai se tornando cada vez mais difícil pra ele se alojar de forma que você se sinta confortável. Então, na tentativa de salvar sua própria pele, a fim de que ela simplesmente não arrebente, ele se junta num cantinho, e vai juntando, e formando rugas, e se detendo nos cantos dos olhos, da boca, das mãos...
E eu fico aqui pensando se não há uma outra forma de termos tempo e não criarmos rugas. E se o tempo pudesse ser bebido, qual seria a forma que ele encontraria de sair, e criar uma enorme nuvem para então chover tempo novamente. A nuvem que, algum dia, desceria furiosa, castigando janelas e portas, enquanto eu tentasse salvar, no colo do meu vestido, a mais bonita de minhas histórias. E se o tempo nos regasse, se envelheceríamos de vez ou se impressionantemente teríamos ,enfim, a fórmula da juventude.
E ainda penso nisso: eu sentada naquela cadeira, folheando as idades passadas escritas no álbum de fotografia ou nas cartas a ti escritas. E penso, meu querido Orlando, com muita certeza, que qualquer tempo que exista entre as palavras e os corpos, entre o texto e a pele, ou entre os tecidos e as teias, não pode apagar da minha memória os teu olhos que um dia encontrei. E foi por eles, que um dia abri as janelas do meu quarto, e essas cartas comecei a te escrever.
21.9.10
18.9.10
dicionário de verbos - crescer
crescer
é desapegar-se da terra e deixar de ser semente para ser flor.
é desapegar-se da terra e deixar de ser semente para ser flor.
11.9.10
telefone de lata
Glorinha, eu entendo, que quando a solidão é muito grande, o mundo escapa do seu eixo e se inclina de tal forma que você perde o equilíbrio, enquanto móveis, memórias e quadros escorregam com toda força, espatifando-se contra a outra parede. Eu entendo também, Glorinha, que nessas horas é difícil agarrar-se a qualquer borda e pedir que, por favor, a gravidade dessa situação não te leve embora. É nessas horas, onde os dedos por um fio seguram-se à última esperança que ainda insiste em manter-se firme no chão, que eu te procuro. E te faço algumas perguntas sobre gente grande que de repente some e não me leva junto. E te digo que o telefone toca milhões de vezes, mas ninguém do outro lado quer atender. Então eu me alivo tanto e tanto, que não importa em que situação o mundo esteja, não me importa se todas as linhas telefônicas do mundo estão ocupadas; o nosso telefone de lata sempre vai me permitir que eu escute um convite carinhoso: vamos ver os girassóis que acabaram de florir!
4.9.10
novos ares
Eu sei, só precisa de paz quem está em guerra. E não há guerra mais silenciosa do que essa: eu deitada sobre a grama, procurando qualquer flor na qual me agarrar antes que essa leveza me faça flutuar. Quando enfim acabarem as forças, e o medo de que eu possa voar se esvair pelos poros junto com o suor do esforço para manter-se em terra firme, ganharei asas. E voarei graças às 20 mil borboletas que rodopiam em minha barriga.
28.8.10
3 segundos
O teus dedos entrelaçados aos meus formam um cruzamento de caminhos perdidos. E eu não sei em qual eu poderia dar o primeiro passo. Apenas me perco. E eu deveria me encontrar quando encontrasse os teus olhos pousando suavemente nos meus. Mas há qualquer vazio nos teus olhos que me assustam. Há um vazio maior do que o azul, onde não encontro nuvem ou estrelas. Onde meus olhos, ao pensar que se encontraram, se perdem mais ainda. E atravessam labirintos, apavorados, porque não sabem que criatura habitaria por ali. Fogem. Tentam se esconder. Procuram qualquer luz na tentativa de achar a saída, mais aí, caem. Então encontram a tua mão estendida, estreitanto as distâncias e afastando as nuvens pra me avisar que já amanheceu, empurrando a manhã para dentro de nós.
Quando enfim amanhece, amor, novamente entrelaçamos os dedos...
Quando enfim amanhece, amor, novamente entrelaçamos os dedos...
23.8.10
sobre a pouca força
Folhas no chão são só pássaros que não têm força própria para voar e aproveitam carona nas asas do vento.
17.8.10
sobre a última noite estrelada
Não é apenas no mundo da imaginação. Por vezes, esse mundão todo fica desabitado, e a única sobrevivente é apenas uma garotinha assustada tentanto entender o porquê das coisas desaparecerem tão de repente. Quando a solidão pousa sobre o seu travesseiro e mistura-se aos seus sonhos, o mundo torna-se maior, e as distâncias só aumentam. As mãos já não podem mais se dar, os braços já não envolvem mais o outro, e até o grito mais alto que se possa dar não chega ao ouvido como um sussurro.
Não sei se o mundo cresce, e incha, e me encosta no céu, ou se o céu da noite simplesmente despenca. Mas o céu fica, por um fio, de me esmagar contra a terra. E o fio que o sustenta é só o rabo da última estrela cadente. A culpa é das estrelas. São tantas, que o céu pesa. E talvez a culpa também seja minha, de querê-las ao meu alcance...
Agarrada ao último sonho que ainda não foi embora, a garotinha chora baixinho, e pede ao seu amor que venha, venha logo. Venha junto com ela assistir à última noite estrelada. Amanhã, amor, não haverá mais céu nem nada. Se você só chegar aqui amanhã, só poderá ver poeira de estrelas, e uma menina soterrada à 3 mil metros de realidade.
Não sei se o mundo cresce, e incha, e me encosta no céu, ou se o céu da noite simplesmente despenca. Mas o céu fica, por um fio, de me esmagar contra a terra. E o fio que o sustenta é só o rabo da última estrela cadente. A culpa é das estrelas. São tantas, que o céu pesa. E talvez a culpa também seja minha, de querê-las ao meu alcance...
Agarrada ao último sonho que ainda não foi embora, a garotinha chora baixinho, e pede ao seu amor que venha, venha logo. Venha junto com ela assistir à última noite estrelada. Amanhã, amor, não haverá mais céu nem nada. Se você só chegar aqui amanhã, só poderá ver poeira de estrelas, e uma menina soterrada à 3 mil metros de realidade.
11.8.10
Hoje
Hoje não falarei sobre a correria nem sobre a calmaria. Não falarei nem do branco nem do preto. Nem do claro nem do escuro. Nem sobre a paz nem sobre a guerra. Não gritarei aos céus que chova ou que faça sol. Não pedirei aos homens que sejam bons ou maus. Não quero o dia nem quente nem frio. Não plantarei e não colherei.
Hoje não calarei a voz, mas também não falarei. Não amarei e nem terei rancor. Não esquecerei nem lembrarei. Não dormirei nem acordarei. Não desprezarei nem apreciarei as flores. Não vou rir e nem vou chorar. Não rasgarei e nem costurarei. Não matarei e nem sararei o que está ferido. Não abraçarei e nem me afastarei. Não irei me isolar, mas também não me entregarei.
Hoje, somente hoje, por não fazer tais coisas, tragicamente, não viverei.
Nem morrerei.
Hoje não calarei a voz, mas também não falarei. Não amarei e nem terei rancor. Não esquecerei nem lembrarei. Não dormirei nem acordarei. Não desprezarei nem apreciarei as flores. Não vou rir e nem vou chorar. Não rasgarei e nem costurarei. Não matarei e nem sararei o que está ferido. Não abraçarei e nem me afastarei. Não irei me isolar, mas também não me entregarei.
Hoje, somente hoje, por não fazer tais coisas, tragicamente, não viverei.
Nem morrerei.
9.8.10
7.8.10
Crônica de aniversário
Todas as pessoas são boas em alguma coisa. E por serem boas naquilo que fazer, ocupam uma cadeira no mundo, feita sob medida. Mas se The Beatles só existia agora no disco de vinil do colecionador, e se Pelé só entra em campo pra assistir jogo, como é que ela, uma menina feita de palavras, conseguiria sobreviver ao tempo e ao esquecimento? De que forma fugiria das borrachas e lixeiras que insistem em apagar a história escrita durante tantos anos?
Quis muito ser boa em alguma coisa, mas sempre que tentava algo novo os defeitos que possuía impossibilitavam-na de preenher uma cadeira sem que faltasse ou soubrasse alguma coisa. Então um dia resolveu sair de casa e procurar uma cadeira qualquer que pudesse preencher. A primeira cadeira era muito alta, e não pôde subir. Voltou pra casa chorando, encharcada de lágrima. Mas não desistiu! No outro dia, tentou novamente. Mas havia cadeiras altas, baixas, largas e estreitas, nunca uma que se encaixasse perfeitamente. E voltava sempre pra casa chorando, encharcando as suas roupas.
Até que, certo dia, não pôde mais sair de casa. Todas as suas roupas estavam no cesto de roupa suja! Então pegou as roupas manchadas de lágrimas, e levou para o quintal. Um passarinho a espiava, enquanto ela expiava os seus pecados. Foi quando lavou todas as suas roupas, tanto e tanto, que ficou muito cansada e deixou-se cair. Sentou no chão, e logo percebeu que ele a acolhera apesar das suas formas, dos seus defeitos. E que ela poderia não ter uma cadeira feita sob medida, mas tinha todo esse chão, e todas essas flores dispostas a lhe acolher. Então ela preencheu o seu lugar no mundo. E desde agora, e para sempre, lava suas roupas manchadas de histórias. E estende, pacientemente, uma a uma, as Roupas no Varal.
P.S.: 1 ano do meu bloguito! Acho que eu não esperava chegar até aqui. E nem sei se vou continuar. Mas, deixa rolar! :b
Quis muito ser boa em alguma coisa, mas sempre que tentava algo novo os defeitos que possuía impossibilitavam-na de preenher uma cadeira sem que faltasse ou soubrasse alguma coisa. Então um dia resolveu sair de casa e procurar uma cadeira qualquer que pudesse preencher. A primeira cadeira era muito alta, e não pôde subir. Voltou pra casa chorando, encharcada de lágrima. Mas não desistiu! No outro dia, tentou novamente. Mas havia cadeiras altas, baixas, largas e estreitas, nunca uma que se encaixasse perfeitamente. E voltava sempre pra casa chorando, encharcando as suas roupas.
Até que, certo dia, não pôde mais sair de casa. Todas as suas roupas estavam no cesto de roupa suja! Então pegou as roupas manchadas de lágrimas, e levou para o quintal. Um passarinho a espiava, enquanto ela expiava os seus pecados. Foi quando lavou todas as suas roupas, tanto e tanto, que ficou muito cansada e deixou-se cair. Sentou no chão, e logo percebeu que ele a acolhera apesar das suas formas, dos seus defeitos. E que ela poderia não ter uma cadeira feita sob medida, mas tinha todo esse chão, e todas essas flores dispostas a lhe acolher. Então ela preencheu o seu lugar no mundo. E desde agora, e para sempre, lava suas roupas manchadas de histórias. E estende, pacientemente, uma a uma, as Roupas no Varal.
P.S.: 1 ano do meu bloguito! Acho que eu não esperava chegar até aqui. E nem sei se vou continuar. Mas, deixa rolar! :b
4.8.10
O Espetáculo, parte II
(...) Mas aquela bailarina era mesmo perfeita. Nunca iria olhar para mim, um pobre palhaço atrapalhado, que não sabe falar nada bonito que a encante. Não tenho nem um pouquinho de graça ao lado da doçura dela...- Era o que o Palhaço Assobio ficava pensando sempre ao final das apresentações, quando o circo não passa de uma tenda, habitação de humanos e mortais.
Mas ele a amava tanto, e tão sinceramente, e com tanta reserva, que nem chegava a desejá-la. Era um amor que não exigia maiores aproximações, não sonhava com a posse nem com a presença consentida, consciente e concreta do bem amado. Amava-a com tanta precaução, que sempre ao final da sua apresentação cuidava para que ela não o visse ali, com cara de bobo, com um sorriso que ia de uma ponta a outra do rosto. Ficava ali sentado acompanhando atenciosamente os passos da sua Bailarina. E a melhor parte era quando ela começava a rodopiar, a rodopiar, a rodopiar...
Mas na noite passada havia sido diferente. Com todo o descuido que tinha guardado consigo, tropeçou numa enorme caixa e espatifou-se em cima dos manequins. Foi exatamente na hora em que a Bailarina saía do palco, e encaminhava-se pro seu camarim.
- Você está bem?
O Palhaço logo reconheceu aquela boca estrelada. Não era possível! Sua Bailarina estava ali, de mãos estendidas, o ajudando...
- Sim! É que. Eu estou bem sim. É. Eu sou um pouco desastrado e acabei fazendo esse estrago!
Sentiu as faces coradas, e um calor que nunca havia sentido, nas bochechas tingidas. Mas então a música, nunca ouvida antes - e ah, como era belissíssima! - soou aos seus ouvidos. Penetrou-lhe os tímpanos, o cérebro, o coração, atingiu o estômago como um soco. Um soco e um abraço simultanêos. E nem teve tempo de apreciá-la direito, e ela já havia acabado. Enquando se levantava desajeitado, tentando arrumar a bagunça, viu a Bailarina indo embora, com um sorriso no canto da boca.
Desde ontem não ouviu outra coisa a não ser a risada da Bailarina. E quando quis dormir, não pôde, pois havia uma Bailarina em seus olhos. Quis pedir que ela, por favor, deixasse-o dormir, mas havia uma Bailarina atravessada na sua garganta.
Ah, minha doce Bailarina!
Mas ele a amava tanto, e tão sinceramente, e com tanta reserva, que nem chegava a desejá-la. Era um amor que não exigia maiores aproximações, não sonhava com a posse nem com a presença consentida, consciente e concreta do bem amado. Amava-a com tanta precaução, que sempre ao final da sua apresentação cuidava para que ela não o visse ali, com cara de bobo, com um sorriso que ia de uma ponta a outra do rosto. Ficava ali sentado acompanhando atenciosamente os passos da sua Bailarina. E a melhor parte era quando ela começava a rodopiar, a rodopiar, a rodopiar...
Mas na noite passada havia sido diferente. Com todo o descuido que tinha guardado consigo, tropeçou numa enorme caixa e espatifou-se em cima dos manequins. Foi exatamente na hora em que a Bailarina saía do palco, e encaminhava-se pro seu camarim.
- Você está bem?
O Palhaço logo reconheceu aquela boca estrelada. Não era possível! Sua Bailarina estava ali, de mãos estendidas, o ajudando...
- Sim! É que. Eu estou bem sim. É. Eu sou um pouco desastrado e acabei fazendo esse estrago!
Sentiu as faces coradas, e um calor que nunca havia sentido, nas bochechas tingidas. Mas então a música, nunca ouvida antes - e ah, como era belissíssima! - soou aos seus ouvidos. Penetrou-lhe os tímpanos, o cérebro, o coração, atingiu o estômago como um soco. Um soco e um abraço simultanêos. E nem teve tempo de apreciá-la direito, e ela já havia acabado. Enquando se levantava desajeitado, tentando arrumar a bagunça, viu a Bailarina indo embora, com um sorriso no canto da boca.
Desde ontem não ouviu outra coisa a não ser a risada da Bailarina. E quando quis dormir, não pôde, pois havia uma Bailarina em seus olhos. Quis pedir que ela, por favor, deixasse-o dormir, mas havia uma Bailarina atravessada na sua garganta.
Ah, minha doce Bailarina!
1.8.10
O Espetáculo, parte I
Não há nada mais gratificante do que ser o motivo da alegria das pessoas. - Alegava sempre o Palhaço Assobio. Como gostava de ser atrapalhado e estabanado! Como gostava de levar um belo tapa técnico na cara, cair, levantar desorientado, e ouvir aquele coral de gargalhadas! Nem a mais bela das mais belas sinfonias soava tão bem aos seus ouvidos quanto uma risada extrapolada! Ele realmente gostava de fazer feliz as outras pessoas. Mas só soube de verdade o que era ser feliz quando conheceu a sua bailarina. A Bailarina não fazia parte do seu acervo de perucas ou de paletós coloridos. Ela era o que nunca lhe pertenceria, mas que definitivamente, seria sempre sua.
Logo após a sua apresentação, o Palhaço Assobio escondia-se atrás das cortinas para esperar a apresentação da Bailarina. Ah, como ela era graciosa! Como era delicada, doce, tão bem detalhada, minunciosamente encaixada, chegava até a ser perfeita... E o sorriso, ah, o sorriso! Era ele o motivo principal daquela paixão secreta do Palhaço pela doce Bailarina. Era um sorriso tímido, de uma boquinha muída e vermelha, com uns dentinhos muito brilhantes.
- Ainda que todas as luzes do mundo se apagassem, e no céu não houvesse um só raio de sol, o sorriso da minha bailarina iluminaria desde o nosso circo até o Japão! (...)
Logo após a sua apresentação, o Palhaço Assobio escondia-se atrás das cortinas para esperar a apresentação da Bailarina. Ah, como ela era graciosa! Como era delicada, doce, tão bem detalhada, minunciosamente encaixada, chegava até a ser perfeita... E o sorriso, ah, o sorriso! Era ele o motivo principal daquela paixão secreta do Palhaço pela doce Bailarina. Era um sorriso tímido, de uma boquinha muída e vermelha, com uns dentinhos muito brilhantes.
- Ainda que todas as luzes do mundo se apagassem, e no céu não houvesse um só raio de sol, o sorriso da minha bailarina iluminaria desde o nosso circo até o Japão! (...)
21.7.10
Glorinha, me diz,
quando a gente não aguenta mais, o que acontece? A gente explode? Ou simplesmente flutua de tão cheio que está? Sim, porque tudo no mundo é limitado. Não vê que nosso corpo tem pele é pra isso mesmo? Pra conter o sangue que corre nas veias, pra dizer pro coração que ele só pode chegar até ali, e ai da gente se ele quiser sair do lugar!
Eu não queria entender, Glorinha, a lógica dos pássaros que, quando saem da gaiola, não voltam nunca. Eu só não queria entender porque eu tinha medo. Tinha medo do passarinho voltar a qualquer hora e dizer que saiu porque simplesmente uma gaiola não é o maior limite pra se viver. Se há um céu tão grande, onde cabe Sol, Lua, estrelas e um arco-íris com tantas cores, porque é que a gente insiste em ficar nesse chão cinza e frio, onde, se não fosse a terra e as sementes, seria tudo tão triste, tão cinza, tão morto...?
O meu passarinho, apesar de longe, e talvez exatamente por isso, me ensinou: quando a dor é muito grande, ela extrapola o intagível e atinge músculos e tendões para só depois evaporar pelos poros. Depois que isso acontecer, e você só estiver bem cheio de vazio, encha o peito com mais de 3 mil suspiros, quando estiver bem levinho, solte as amarra e flutue.
Eu não queria entender, Glorinha, a lógica dos pássaros que, quando saem da gaiola, não voltam nunca. Eu só não queria entender porque eu tinha medo. Tinha medo do passarinho voltar a qualquer hora e dizer que saiu porque simplesmente uma gaiola não é o maior limite pra se viver. Se há um céu tão grande, onde cabe Sol, Lua, estrelas e um arco-íris com tantas cores, porque é que a gente insiste em ficar nesse chão cinza e frio, onde, se não fosse a terra e as sementes, seria tudo tão triste, tão cinza, tão morto...?
O meu passarinho, apesar de longe, e talvez exatamente por isso, me ensinou: quando a dor é muito grande, ela extrapola o intagível e atinge músculos e tendões para só depois evaporar pelos poros. Depois que isso acontecer, e você só estiver bem cheio de vazio, encha o peito com mais de 3 mil suspiros, quando estiver bem levinho, solte as amarra e flutue.
19.7.10
Os guarda-chuvas
Não há como esquecer: são desses encontros que nunca evaporam junto com a chuva; era o homem fugindo do peso das coisas desnecessárias e, naquela tarde, deparando-se com a ajuda de uma desconhecida; ela não tinha intenções e, parece, nem vontade de tê-las. Mas as intenções são desses barquinhos de papel que, querendo ou não, são carregados pela chuva em direção de algum bueiro, a menos que um menino o salve dessa tragédia e o chame de meu.
Seu Galdino relutava em atravessar a poça, quando uma moça muito bonita e séria estendeu para ele o seu guarda-chuva. Desses guarda-chuvas que são estendidos em forma de ponte para estreitar os abismos que há entre um ombro e outro. Depois de entender as boas intenções da adorável Dona Flor, ele nunca mais teve que se preocupar com os seus sapatos molhados que o traziam um peso a mais. E ainda que molhasse, o que importava? Sua cabeça estava à salvo das gotas de chuva, porque sempre que chovia havia ao seu lado uma senhora muito séria empunhando toda a sua braveza nas gentilezas de um guarda-chuva.
14.7.10
A tempestade
Foi num dia em que o céu estava coberto pelas nuvens violentas, e ela teve muito medo do mundo. O mundo que se empunha sério, com toda a sua matemática, toda a sua lógica, todos os seus conceitos e regras. O mundo que não admitia mudanças. É assim que é, e terá que ser. Raquel encolheu-se no canto do seu quarto e procurou pelas prateleiras algo que não via há tempo. Não era simplesmente algo que ocupava um lugar ali, era algo que lhe trazia segurança, uma espécie de refúgio. Pousou os olhos nas prateleiras agora preenchidas por livros que na maioria das vezes só lhe davam breves momentos de euforia. E que, ao invés de estreitar os abismos que existia entre ela e seus sonhos, só abriam uma fenda muito mais profunda. Tão profunda que já não se podia mais ver o fim.
Perdida entre devaneios, mergulhou nas águas de agosto de um ano muito remoto. Era seu aniversário, e pela primeira vez quis escolher o seu presente. Não que o tivesse em mente. Queria encontrar um brinquedo que a escolhesse. Já havia lido em muitos livros (hábito que cultivara desde a infância) histórias incríveis de bonecos que falavam, andavam, sentiam como gente. Não acreditava nesse mundo encantado, mas sabia que no seu mundo ideial tudo poderia acontecer. Entrou numa loja. Foi então que seus olhos encontraram os olhos de um boneco de lata. O boneco estava muito escondido, e ela logo percebeu que ele também guardava muitos medos no seu interior de lata. Então eles se escolheram. O boneco passou a ser da menina, da mesma forma que ele a tinha como sua.
E por se pertencerem, não existia entre os dois nenhum tipo de egoísmo, ciúmes, ou essas coisas ruins que, quando há uma fresta, impedem que o amor encontre um lugar entre dois. Porque o amor só precisa disso: dois corações encostados um no outro, dispostos a sentirem e compartilharem tudo o que há dentro deles. Desde então, Raquel nunca mais se sentiu só, porque sabia que quando chegasse cansada da escola, de tanto correr e de tanto ser caçoada, poderia contar com seu boneco de lata, que a esperava com um grande sorriso metálico na sua prateleira. Encontrou refúgio nele para todos os momentos, inclusive nos dias em que o céu estava coberto por nuvens violentas, e ela tinha muito medo do mundo. Desde que encontrou seu homem de ferro, não teve mais medo de nada. Nem quando trovejou ou os raios faiscaram ferozes. Nem quando o céu fez menção de desabar. Depois desse dia, havia sempre um boneco muito reluzente, tão reluzente quando um raio vindo do céu, empunhando o seu carinho na sutileza de um abraço frio.
Perdida entre devaneios, mergulhou nas águas de agosto de um ano muito remoto. Era seu aniversário, e pela primeira vez quis escolher o seu presente. Não que o tivesse em mente. Queria encontrar um brinquedo que a escolhesse. Já havia lido em muitos livros (hábito que cultivara desde a infância) histórias incríveis de bonecos que falavam, andavam, sentiam como gente. Não acreditava nesse mundo encantado, mas sabia que no seu mundo ideial tudo poderia acontecer. Entrou numa loja. Foi então que seus olhos encontraram os olhos de um boneco de lata. O boneco estava muito escondido, e ela logo percebeu que ele também guardava muitos medos no seu interior de lata. Então eles se escolheram. O boneco passou a ser da menina, da mesma forma que ele a tinha como sua.
E por se pertencerem, não existia entre os dois nenhum tipo de egoísmo, ciúmes, ou essas coisas ruins que, quando há uma fresta, impedem que o amor encontre um lugar entre dois. Porque o amor só precisa disso: dois corações encostados um no outro, dispostos a sentirem e compartilharem tudo o que há dentro deles. Desde então, Raquel nunca mais se sentiu só, porque sabia que quando chegasse cansada da escola, de tanto correr e de tanto ser caçoada, poderia contar com seu boneco de lata, que a esperava com um grande sorriso metálico na sua prateleira. Encontrou refúgio nele para todos os momentos, inclusive nos dias em que o céu estava coberto por nuvens violentas, e ela tinha muito medo do mundo. Desde que encontrou seu homem de ferro, não teve mais medo de nada. Nem quando trovejou ou os raios faiscaram ferozes. Nem quando o céu fez menção de desabar. Depois desse dia, havia sempre um boneco muito reluzente, tão reluzente quando um raio vindo do céu, empunhando o seu carinho na sutileza de um abraço frio.
13.7.10
da bailarina
Não precisa ficar triste quando suas sapatilhas não mais entrarem no seus pés. Se a música ainda tocar, serás sempre uma bailarina. Enquanto a vontade de voar estiver em cada gesto da tua dança involuntária, ainda vais poder sentir os olhos dos expectadores atentos aos movimentos, a cada gesto. A mão erguida por cima da cabeça, e em seguida, o salto.
Você é só uma criança crescida, querida. Uma bailarina que dança no palco da vida. Enquando as palavras mágicas estiverem presentes no começo de cada nova dança, você ainda vai poder rodopiar, e rodopiar, e rodopiar até que se trasnforme em uma linda bailarina de caixinha de música.
Você é só uma criança crescida, querida. Uma bailarina que dança no palco da vida. Enquando as palavras mágicas estiverem presentes no começo de cada nova dança, você ainda vai poder rodopiar, e rodopiar, e rodopiar até que se trasnforme em uma linda bailarina de caixinha de música.
10.7.10
sementes de girassól
Querido Orlando,
Como é que a gente pode perder as coisas que nunca teve? E deixar que o tempo as leve pra longe da gente até que nossos olhos não as alcance mais? Quando o tempo leva, não há ponte que una dois olhares abandonados. Não há agulha nem linha do tempo que reate dois corações afastados por motivos que não são importantes. Será que é assim que as coisas vão embora? Ou talvez nem cheguem?
Mas hoje eu abri a janela e mal consegui acreditar! Inspirei um milhão de cores e expirei uma explosão de flores, escapando afoitas do meu peito. Abri a janela e vi: o meu girassól brotou! Por que há isso de extraordinário no mundo, Orlando. Quando alguém rejeita os seus cuidados, por algum motivo muito importante pra ele ou por motivo nenhum, você pode plantar um girassól. E pode regá-lo, vê-lo crescer, pode falar com ele, amá-lo... Mas você sabe bem que seu girassól nunca vai criar pernas e ir embora de você. O seu girassól vê o amor que você tem por ele quando o banha exageradamente, e quando o olha com os olhos de uma mãe. Olhei pro meu girassól e vi que tudo é tão bonito, tudo tão… inacreditavelmente perfeito e encaixado que nem a maldade dos homens, de seis bilhões de homenzinhos pequeninhos, pode ser maior do que o conjunto das estrelas erradias, ainda mais quando metade de cada homem também é amor…
Porque eu sei, Orlando, que somos feitos de bem e mal. E eu que achava que era a culpada disso tudo, que tinha feito ou deixado de fazer algo e por isso o outro foi embora, eu que nem acreditava mais em mim... Você só quis me mostrar que eu podia ser maior, não do que os outros, mas que eu podia ser maior que os meus medos ou até mesmo do lado mau que há em mim. Você me mostrou bem isso quando chegou sorrindo e me deu aquelas sementes de girassól.
Como é que a gente pode perder as coisas que nunca teve? E deixar que o tempo as leve pra longe da gente até que nossos olhos não as alcance mais? Quando o tempo leva, não há ponte que una dois olhares abandonados. Não há agulha nem linha do tempo que reate dois corações afastados por motivos que não são importantes. Será que é assim que as coisas vão embora? Ou talvez nem cheguem?
Mas hoje eu abri a janela e mal consegui acreditar! Inspirei um milhão de cores e expirei uma explosão de flores, escapando afoitas do meu peito. Abri a janela e vi: o meu girassól brotou! Por que há isso de extraordinário no mundo, Orlando. Quando alguém rejeita os seus cuidados, por algum motivo muito importante pra ele ou por motivo nenhum, você pode plantar um girassól. E pode regá-lo, vê-lo crescer, pode falar com ele, amá-lo... Mas você sabe bem que seu girassól nunca vai criar pernas e ir embora de você. O seu girassól vê o amor que você tem por ele quando o banha exageradamente, e quando o olha com os olhos de uma mãe. Olhei pro meu girassól e vi que tudo é tão bonito, tudo tão… inacreditavelmente perfeito e encaixado que nem a maldade dos homens, de seis bilhões de homenzinhos pequeninhos, pode ser maior do que o conjunto das estrelas erradias, ainda mais quando metade de cada homem também é amor…
Porque eu sei, Orlando, que somos feitos de bem e mal. E eu que achava que era a culpada disso tudo, que tinha feito ou deixado de fazer algo e por isso o outro foi embora, eu que nem acreditava mais em mim... Você só quis me mostrar que eu podia ser maior, não do que os outros, mas que eu podia ser maior que os meus medos ou até mesmo do lado mau que há em mim. Você me mostrou bem isso quando chegou sorrindo e me deu aquelas sementes de girassól.
7.7.10
sobre o amor II
É quando o outro estende um par de meias macias ao perceber que seus pezinhos estão esfriando.
4.7.10
Desabafo
Senhor,
Eu já estava no ônibus quando hesitei, quando desci no primeiro ponto que a agulha fez entre nós. Voltei correndo pra casa, subi as escadas em espiral, passei a chave na porta e juro que ouvi a nossa música tocando no rádio. Mais uma vez voltei pra casa, senhor. E encontrei-a arrasada.
A mesa ainda posta, as cadeiras separadas pelas migalhas de pão. As violetas murchas na janela, denunciando a falta de cuidados, ou até mesmo os exagerados, que o senhor teve com elas. Não lembra como ensinei? É preciso molhar os dedos, e deixar que a água vá pingando e umedecendo toda a terra. Minhas mãos na cintura. A camisa sobre a cama, à espera de um abraço. Alguma casa sem botão. Botão sem a casa. A casa. A casa. A casa? A casa vazia. Meu desespero através do espelho. A cortina descosturada no ponto que a agulha (essa que ensina a costurar as feridas, senhor) não deu.
A colcha de retalhos bordada de flores murchas. A meia sem o par. Um jarro na parede. O grito alto. Um porta-retrato no chão dividido em dois. O ponteiro no dez. Nós dois tentando correr atrás do tempo que a tesoura cortou em quatro pedaços. Meu desabafo em cada canto da parede. As mãos sobre o colo, em desespero. A porta fechando-se rancorosa.
3.7.10
da solidão
Não precisa ficar com medo. Quando o tempo se preparar para chover e o céu ameaçar explodir, eu vou brincar na chuva com você. E vou te abraçar tão forte, que esse sentimento de solidão irá se trasnformar em sete mil borboletas rodopiando na sua cabeça. Então você vai entender que quando alguém vai embora sem dar explicação é porque a história que ele iria te contar não tem fadas, nem bichos que falam, nem um pote de ouro no fim do arco-íris. E essa pessoa sabe que histórias que não tem mágica não te interessam. Te deixar sem ao menos dar um adeus talvez tenha sido a maneira mais bonita que o outro encontrou de te dizer que, de alguma forma, te ama.
sobre o sono
É quando fecho os olhos que vejo as estrelas
c
a
i
n
d
o
e predendo os meus cílios - um a um - servindo de botões para as minhas pálpebras.
c
a
i
n
d
o
e predendo os meus cílios - um a um - servindo de botões para as minhas pálpebras.
1.7.10
sobre o abraço
O abraço é a forma que o outro encontra de te deter quando você está indo contra o vento.
p.s: Queridos, só aguentei até aqui. Pode até parecer pouco tempo, mas foi uma eternidade pra mim! Eis-me aqui novamente. Seja bem-vinda! :)
p.s: Queridos, só aguentei até aqui. Pode até parecer pouco tempo, mas foi uma eternidade pra mim! Eis-me aqui novamente. Seja bem-vinda! :)
24.6.10
Conto de humanos
Era uma vez um leitor curioso pela história de um livro. Era uma vez um livro curioso pelos olhos daquele leitor. Era uma vez a história de um. Era uma vez a história de outro. Era pra ser uma história de dois. Mas porque ninguém se rendeu, não houve história lida. Nem leitor satisfeito. Então o livro ficou de lado, esperando qualquer olhar que se rendesse e o abrisse, que o despisse e o percorresse e ficasse satisfeito com a sua história. Mas o leitor cansou de tudo isso, e pensou em virar escritor.
Era uma vez um homem que já não era mais leitor, e que ainda não era escritor: era apenas um homem. Era uma vez um papel, uma caneta e dois personagens que ainda não haviam sido criados. Um dia o homem quis esquecer quem era. Quis esquecer o dia em que nasceu, de que mãe havia saído, qual tinha sido seu primeiro tombo e de quantas feridas já havia se recuperado. Repare bem: a casquinha é a tampa do abismo que é a ferida. Então o homem, que até então não era mais leitor e que iria se tornar narrador, achou papel e caneta numa gaveta qualquer, onde guardava coisas que não lhes eram necessárias. Por que guardar coisas velhas? Ora! A gente guarda tanta coisa que deveria estar tão longe.
Era uma vez um narrador que criou dois personagens. Era uma vez dois personagens com vidas diferentes, histórias diferentes, e principalmente olhos diferentes. Um tinha uns olhos puxados assim pro lado de dentro, que chorava pra dentro, e que também olhava além corpo. Chegava até o lado de dentro do outro. Já o outro tinha olhos. Apenas olhos. E porque os pés dos personagens andavam por lugares diferentes, eles nunca poderiam tombar um com o outro.
Era uma vez uma história forçada. Dois contra um. O narrador insistindo no encontro, e dois personagens que nunca se encontrariam. E puxaram de um lado, o narrador puxou do outro. E puxaram, puxaram, puxaram, até que as linhas do papel se quebraram. E houve uma grande explosão de tinta de caneta. Tinta no teto, nas paredes, na mesa do narrador... Então a história que nunca tinha chance de acontecer escorregou pelas mãos do ex-leitor-homem-narrador e foi pingando, pingando. E como uma história podia ir pingando assim nos dedos e regando, sem intenção, uma terra? Querendo fazer brotar palavra, frase, vírgula, ponto final.
Pula linha.
Travesão.
- Desisto.
A palavra ecoou por muito tempo no quarto do que era um leitor, que virou apenas homem, se tornou narrador, e agora era só um. Um. Só um espaço vazio. Só uma entrelinha implícita.
Mas tentou tomar forma de narrador novamente. E o narrador, ao consertar o espaço, puxar a linha do tempo e dar voz aos personagens, não percebeu que eram só uma bolinha de papel amassado.
Era uma vez um homem que já não era mais leitor, e que ainda não era escritor: era apenas um homem. Era uma vez um papel, uma caneta e dois personagens que ainda não haviam sido criados. Um dia o homem quis esquecer quem era. Quis esquecer o dia em que nasceu, de que mãe havia saído, qual tinha sido seu primeiro tombo e de quantas feridas já havia se recuperado. Repare bem: a casquinha é a tampa do abismo que é a ferida. Então o homem, que até então não era mais leitor e que iria se tornar narrador, achou papel e caneta numa gaveta qualquer, onde guardava coisas que não lhes eram necessárias. Por que guardar coisas velhas? Ora! A gente guarda tanta coisa que deveria estar tão longe.
Era uma vez um narrador que criou dois personagens. Era uma vez dois personagens com vidas diferentes, histórias diferentes, e principalmente olhos diferentes. Um tinha uns olhos puxados assim pro lado de dentro, que chorava pra dentro, e que também olhava além corpo. Chegava até o lado de dentro do outro. Já o outro tinha olhos. Apenas olhos. E porque os pés dos personagens andavam por lugares diferentes, eles nunca poderiam tombar um com o outro.
Era uma vez uma história forçada. Dois contra um. O narrador insistindo no encontro, e dois personagens que nunca se encontrariam. E puxaram de um lado, o narrador puxou do outro. E puxaram, puxaram, puxaram, até que as linhas do papel se quebraram. E houve uma grande explosão de tinta de caneta. Tinta no teto, nas paredes, na mesa do narrador... Então a história que nunca tinha chance de acontecer escorregou pelas mãos do ex-leitor-homem-narrador e foi pingando, pingando. E como uma história podia ir pingando assim nos dedos e regando, sem intenção, uma terra? Querendo fazer brotar palavra, frase, vírgula, ponto final.
Pula linha.
Travesão.
- Desisto.
A palavra ecoou por muito tempo no quarto do que era um leitor, que virou apenas homem, se tornou narrador, e agora era só um. Um. Só um espaço vazio. Só uma entrelinha implícita.
Mas tentou tomar forma de narrador novamente. E o narrador, ao consertar o espaço, puxar a linha do tempo e dar voz aos personagens, não percebeu que eram só uma bolinha de papel amassado.
Dentro da bolinha de papel amassado, jogada no cesto, dois personagens corriam campos inteiros, corriam os prados e planícies de mãos dadas. Contavam estrelas deitados sobre a grama, passavam o dedo no céu e - engraçado - havia uma poerinha de lua nos seus dedos.
Era uma vez um que havia feito uma história de dois. Então, despiu-se da roupa de narrador e decidiu que precisava ser apenas humano. Que poderia pegar todas as palavras que ficaram no teto, na mesa, embaixo do pé e escrever uma carta pra refazer uma história. Uma história de um e de outro que se amavam. Uma história de humanos.
Era uma vez...
P.S: Queridos, se essa já é a milésima vez que você lê, lê, lê, e não entende nada, não se preocupe: a culpa é minha. Me desculpem a confusão desses dias. Mas eu acredito que isso passa. Passa, passa. Passa porque até uva passa! :p
22.6.10
Glorinha-de-balanço
Desde que começou ir à escola, tentava aproveitar ao máximo cada minuto por lá. Por ser uma das mais novas da turma, sempre ficava por último na hora do balanço. E quase sempre era levada de volta pra sala antes de se balançar.
- Uaaaaaaaaaaaau! Ninguém no balanço! Eu não posso acreditar!
Deu um grito imenso quando viu o balanço desocupado pela primeira vez. Nem conseguia conter-se de tão feliz; agora o balanço estava ali, só pra ela. Ela e o balanço.
- Isso é ótimo! Ninguém está pedindo pra eu andar logo. Iuuuuuuuuuuupi!
Balançou, balançou. Chegou tão alto no balanço que jurou sentir o gosto do céu.
De súbito parou.
- Ops! Ou hoje é meu dia de sorte, ou não escutei o sino tocar, de novo.
20.6.10
Lembrei de você!
Eu precisava mostrar isso pra vocês.
É uma das coisas que eu acho mais linda numa pessoa: quando ela lê, vê, ou escuta alguma coisa e diz que lembrou de mim! Isso me deixa realmente encantada.
Uma conversa de MSN:
emanuelle diz: Ei, um carinha discursou la na igreja hoje, só lembrei de você!
Ele falou que ama girassóis.
Nem lembro o porque... aí ele falando lá de algumas características do girassol que eu já sabia, falou uma que eu não sabia: o girassol pode crescer três metros, véi!
na hora eu falei: isso é simplesmente ASSUTADOR.
(...)
emanuelle diz: Eu, na hora que ele disso isso, lembrei de tu quando disse que queria um, né?
Imaginei um num jarro do seu quarto, maior que você, e você começando a conversar com a flor (bem típico seu esse comportameto).
Não é lindo, isso? Mesmo com essa indireta direta de que eu sou doida.
15.6.10
Carta VI
Senhor,
Já faz um tempo que eu queria te escrever uma cor. Depois de passar o passado, acho que eu mesma esqueci dos tons, das notas, das pausas. Esqueci de retomar a música. Ficou a fermata na pausa no ar. O silêncio depois da nota aguda.
Da primeira vez quem sugeriu, eu sei, eu sei, fui eu. Entenda bem, senhor: meus dedos não sabem tocar. E foi tentadora a sua ajuda. Mas você deixou a música de lado. Deixou de tocá-la para me. Era pra solfejar, senhor! Solfejar. Acompanhando o compasso, compasso binário. Um, dois. Um, dois. Nós dois na mesma sala. Eu na minha voz, você na sua. Mas a música se uniu através dos lábios, e a canção nesse dia foi cantada para dentro.
Da segunda vez quem sugeriu também fui eu, eu sei. Mas eu não entendia que na música os sentidos se invertem. Que os braços beijam. Os olhos sentem. Os lábios veem. E de repente você anuncia pausa de oito tempos! Pausa de oito tempos! Não era pra ser assim, senhor. Isso faz parte do improviso, senhor?
Depois veio de novo desamarrando as cinco linhas do pentagrama e as amarrando em minhas mãos. Insistindo agora que a música ficasse. Também é contraditória a música, senhor. Eu queria alcançar sol, mas você só aceitou ir até lá. Então as claves, as colcheias, as mínimas, e as semibreves foram escorregando, saindo da nossa música. Já não há mais tom, nota, nem pausa. Acabou a música no instante em apareceu a barra dupla. Eu e você separados. Foi pra lá e levou parte de mi. Ficou apenas dó. A nota insistente que ainda soa. Dó.
Já faz um tempo que eu queria te escrever uma cor. Depois de passar o passado, acho que eu mesma esqueci dos tons, das notas, das pausas. Esqueci de retomar a música. Ficou a fermata na pausa no ar. O silêncio depois da nota aguda.
Da primeira vez quem sugeriu, eu sei, eu sei, fui eu. Entenda bem, senhor: meus dedos não sabem tocar. E foi tentadora a sua ajuda. Mas você deixou a música de lado. Deixou de tocá-la para me. Era pra solfejar, senhor! Solfejar. Acompanhando o compasso, compasso binário. Um, dois. Um, dois. Nós dois na mesma sala. Eu na minha voz, você na sua. Mas a música se uniu através dos lábios, e a canção nesse dia foi cantada para dentro.
Da segunda vez quem sugeriu também fui eu, eu sei. Mas eu não entendia que na música os sentidos se invertem. Que os braços beijam. Os olhos sentem. Os lábios veem. E de repente você anuncia pausa de oito tempos! Pausa de oito tempos! Não era pra ser assim, senhor. Isso faz parte do improviso, senhor?
Depois veio de novo desamarrando as cinco linhas do pentagrama e as amarrando em minhas mãos. Insistindo agora que a música ficasse. Também é contraditória a música, senhor. Eu queria alcançar sol, mas você só aceitou ir até lá. Então as claves, as colcheias, as mínimas, e as semibreves foram escorregando, saindo da nossa música. Já não há mais tom, nota, nem pausa. Acabou a música no instante em apareceu a barra dupla. Eu e você separados. Foi pra lá e levou parte de mi. Ficou apenas dó. A nota insistente que ainda soa. Dó.
11.6.10
Sobre amores, dragões, girassóis, eu e você II
(...) Quando alguém vai embora sem explicação - por não querer ou não poder explicar - é verdade que a saudade usa uma faca muito afiada e nos divide em quatro fatias. O outro mentiu, enganou, machucou, lhe colocou num grande vale desconhecido mesmo você insistentemente avisando que tinha medo de dragões. Mas esse tal alguém não faz parte do seu mundo ideal. Esse alguém ainda insiste em manter a armadura por que prefere esconder os seus defeitos a deixar que alguém simplesmente o ame, além das suas falhas. Talvez esse alguém precise saber sobre o que você pensa. E ele vai embora, some, mas não nos leva junto. Então a gente fica e faz um jardim, qualquer coisa para ocupar o tempo, um banco de almofadas coloridas, e pede aos passarinhos não sujarem ali porque aquele é o banco do nosso amor, do nosso grande amigo. Para que ele saiba que, em qualquer tempo, em qualquer lugar, daqui a não sei quantos anos, ele pode simplesmente voltar, sem mais explicações, para olhar o céu de mãos dadas. Por que você aprendeu sobre o amor. E o amor estará acima de qualquer falha, acima de qualquer mentira. O amor perdoará.
Quando os dedos se entrelaçarem de novo, os nossos olhos enxergarão o abismo que é o olhar do outro, e a gente pensa que vai cair nesse abismo, e tenta se agarrar a qualquer pedra, mas só consegue alcançar uma flor. E a flor se despetala toda, fazendo com que você mergulhe de cabeça - mas não se machuque- por que você está caindo no coração do outro, e tudo o que existe nele é amor. Nesse dia, você e seu amor irão construir uma linda casinha e guardarão ali nas paredes todas as fotografias desde o dia em que vocês tombaram um com o outro, até o dia em que a morte os separará.
Eu não sei o que vai ser depois disso. Eu só acredito no amor. E o meu mundo ideal poderá sim existir em algum momento da minha vida se eu conseguir fazer com que os dragões que eu convivi enquanto o outro foi embora virem gentis colegas de sonhos.
Quando os dedos se entrelaçarem de novo, os nossos olhos enxergarão o abismo que é o olhar do outro, e a gente pensa que vai cair nesse abismo, e tenta se agarrar a qualquer pedra, mas só consegue alcançar uma flor. E a flor se despetala toda, fazendo com que você mergulhe de cabeça - mas não se machuque- por que você está caindo no coração do outro, e tudo o que existe nele é amor. Nesse dia, você e seu amor irão construir uma linda casinha e guardarão ali nas paredes todas as fotografias desde o dia em que vocês tombaram um com o outro, até o dia em que a morte os separará.
Eu não sei o que vai ser depois disso. Eu só acredito no amor. E o meu mundo ideal poderá sim existir em algum momento da minha vida se eu conseguir fazer com que os dragões que eu convivi enquanto o outro foi embora virem gentis colegas de sonhos.
10.6.10
Sobre amores, dragões, girassois, eu e você
Sabe, acho que ninguém vai entender. E se entender, não vai aprovar. Existe no mundo uma lei que diz: se você me tratar bem, me der carinho e cuidar de mim, eu vou amar você. E aí eu tenho que trocar um punhado de boas ações por amor. A gente vê isso desde criança, quando só recebe o presente quando se comporta bem. A gente cresce com isso de só dar ao outro o que ele já deu pra nós. Parece que ninguém é amado só pelo que é, só por existir. Sempre tem que haver justificativa, motivo nobre, algo que lhe convença de que o outro merece um pouco do seu afeto. É um comércio onde nem sempre quem dá é garantido receber. A história não tem fim nunca, sempre se repete: enquanto você der, eu posso lhe retribuir.
Depois de desafundar os pés de uma importante decepção, eu decretei pra mim mesma que um mundo ideial pode sim existir. Nem que ele exista apenas nos meus sonhos, nas minhas ideias. Não estou falando de um mundo cor-de-rosa, onde todas as pessoas são perfeitas. No meu mundo ideal as pessoas amam as outras simplesmente porque amar somente a si mesmas pode levá-las a um pronfundo e obscuro complexo de egoísmo. E se isso acontece, todas as coisas bonitas do mundo - o nascer do sol, a flor desabrochando, ou o nascimento de um passarinho - deixam de existir e no espelho só existe você e seu ego inútil. Mas se você se dispõe a cuidar de alguém, a amar sem querer em troca, a plantar um girassól e vê-lo crescer, a sua enorme armadura de ferro e a venda nos olhos não podem mais lhe impedir de encontrar alguém e dar-lhe um abraço. Você vai ver que os seus braços não foram feitos pra agarrar o mundo, e sim, simplesmente foram feitos na medida do abraço. (...)
Depois de desafundar os pés de uma importante decepção, eu decretei pra mim mesma que um mundo ideial pode sim existir. Nem que ele exista apenas nos meus sonhos, nas minhas ideias. Não estou falando de um mundo cor-de-rosa, onde todas as pessoas são perfeitas. No meu mundo ideal as pessoas amam as outras simplesmente porque amar somente a si mesmas pode levá-las a um pronfundo e obscuro complexo de egoísmo. E se isso acontece, todas as coisas bonitas do mundo - o nascer do sol, a flor desabrochando, ou o nascimento de um passarinho - deixam de existir e no espelho só existe você e seu ego inútil. Mas se você se dispõe a cuidar de alguém, a amar sem querer em troca, a plantar um girassól e vê-lo crescer, a sua enorme armadura de ferro e a venda nos olhos não podem mais lhe impedir de encontrar alguém e dar-lhe um abraço. Você vai ver que os seus braços não foram feitos pra agarrar o mundo, e sim, simplesmente foram feitos na medida do abraço. (...)
6.6.10
Sobre a auto-costura
Quando a gente se dispõe - sempre por precisão e nunca por estética - a reaver e recosturar determinadas coisas do coração, deparamo-nos com a auto-costura. A auto-costura é necessária quando os dedos já não mais podem se enlaçar um a outro, quando o coração já não pode encostar no outro, quando o ponteiro bate no cinco, e fica no cinco, sempre no cinco, o ponteiro no cinco... Então, primeiro, é preciso alinhavar o tempo. Achar a ponta mais longe e desfazer os embaraços, partindo do fim para o começo. Cerzir as risadas, as poucas palavras, e até mesmo os silêncios estampados de flores que agora estão tão murchas. Depois, é preciso desatar as linhas. As linhas que escreveram no papel de pão, na ponta da mesa, no degrau na escada. O bilhete... E providenciar botões pras casas abertas. E não importa se seu coração vai ficar mais parecido com uma roupa de carnaval. Tudo bem se o seu sorriso vai ser feito de linha de costura. Então você fecha seu ateliê de auto-costura e espera qualquer outro amor pra brincarem de novo no jardim. Mesmo sabendo que seu vestido pode rasgar na cerca quando forem atrás de borboletas. Auto-costura é pra isso mesmo.
3.6.10
Da despedida
Ontem eu saí de casa sem imaginar quem eu econtraria. E fechei a porta atrás de mim, sem ouvir o conselho da chave. E caminhei pelas ruas de pedra, sem escutar o canto dos passos. E entrei no ônibus sem escutar o aviso do vento. E sentei, sem perceber que aquela janela é o quadrado mundo que impede o navegante de ir além-mar. Fosse redondo eu poderia entrelaçar os meus dedos nos teus ou, quem sabe, buscar o horizonte onde divisam teus olhos. Mas foi quando você baixou a cabeça quando eu te olhei, que percebi os teus pensamentos caindo da cabeça e empilhando-se em cima de uma flor. Mas não a sufocaram. Por que teus pensamentos, de tão leves, foram levados pelo vento e eu senti o cheiro de luz e amor que eles tinham.
Ontem eu saí de casa sem imaginar o que aconteceria. E fechei a porta atrás de mim, sem ouvir as tuas últimas palavras. E caminhei pelas ruas de lágrimas, sem escutar o choro da alma. E pousei nos teus olhos sem entender que teu interior de lata é frágil. E sem perceber, e sem tempo de me defender, veio um vento tão forte que queria levar tudo embora. Me esforcei por segurar as últimas histórias que ainda estavam em meu colo. Mas você disse que flores nascem e morrem. E que histórias tem fim porque se passarmos toda a vida contando as histórias dos livros, não vivemos a nossa.
E o mundo nem estava em tempestades quando eu te procurei. Por que melhor que ter alguém pra ter acalmar na turbulência, é ter alguém pra te receber na calmaria. E eu não te procurei pra trazer guerra. O que eu trouxe junto com as minhas lágrimas foi amor. E o amor é fraco, meu boneco de lata; o amor é fraco e ele já se entregou. E se existe alguma guerra é essa: meus dedos sobre a sua camada fria de lata, e você se afastando, sem deixar que eu perceba a gota escorrendo na sua face e pingando no queixo. A única coisa que você fez foi me ajudar, então, como eu poderia ser ingrata ao ponto de te machucar? Eu sou carne e osso. Você, lata e poesia.
E agora, encosto o meu dedo em sua pele, mas ela não afunda. Não é possível. Desabotôo a sua camisa e deito a minha cabeça em seu peito, meu homem de ferro. Eu queria chorar, mas posso enferrujá-lo. Então, como viveria em paz sem a sua armadura? Sem nada entender, você se vira e vai embora. E só então eu percebo: a sua armadura é furada, meu amor. Nas centenas de furos sobre a lata, vai aguando todas as plantinhas ao seu redor. Você é, na verdade, um lindo homem regador.
Ontem eu saí de casa sem imaginar o que aconteceria. E fechei a porta atrás de mim, sem ouvir as tuas últimas palavras. E caminhei pelas ruas de lágrimas, sem escutar o choro da alma. E pousei nos teus olhos sem entender que teu interior de lata é frágil. E sem perceber, e sem tempo de me defender, veio um vento tão forte que queria levar tudo embora. Me esforcei por segurar as últimas histórias que ainda estavam em meu colo. Mas você disse que flores nascem e morrem. E que histórias tem fim porque se passarmos toda a vida contando as histórias dos livros, não vivemos a nossa.
E o mundo nem estava em tempestades quando eu te procurei. Por que melhor que ter alguém pra ter acalmar na turbulência, é ter alguém pra te receber na calmaria. E eu não te procurei pra trazer guerra. O que eu trouxe junto com as minhas lágrimas foi amor. E o amor é fraco, meu boneco de lata; o amor é fraco e ele já se entregou. E se existe alguma guerra é essa: meus dedos sobre a sua camada fria de lata, e você se afastando, sem deixar que eu perceba a gota escorrendo na sua face e pingando no queixo. A única coisa que você fez foi me ajudar, então, como eu poderia ser ingrata ao ponto de te machucar? Eu sou carne e osso. Você, lata e poesia.
E agora, encosto o meu dedo em sua pele, mas ela não afunda. Não é possível. Desabotôo a sua camisa e deito a minha cabeça em seu peito, meu homem de ferro. Eu queria chorar, mas posso enferrujá-lo. Então, como viveria em paz sem a sua armadura? Sem nada entender, você se vira e vai embora. E só então eu percebo: a sua armadura é furada, meu amor. Nas centenas de furos sobre a lata, vai aguando todas as plantinhas ao seu redor. Você é, na verdade, um lindo homem regador.
31.5.10
29.5.10
Sabe Glorinha,
Só hoje eu vim entender como a gente se machuca com espinhos mesmo sem conseguir entender a delicadeza e a ferocidade que uma rosa pode conter em si. Só hoje eu percebi que a gente quando machuca o outro, machuca antes de tudo o que temos de melhor em nós. Por que somos feitos de bem e mal. E o mal aparece quando, por descuido, deixo a porta aberta e entram folhas de notícias velhas, folhas de outono, folhas de outras estações, que já não existem mais - e quem sabe nunca existiram. O mal surge quando eu, cansada de ter que olhar pro mundo e pra sua maldade, tento achar algo belo dentro de mim. E o que eu encontro é só uma ponte que une a mim e as princesas dos contos de fadas, mas que tem uma falha. Bem no meio da ponte há um buraco, Glorinha. E eu não acredito em fadas.
Então é aí que qualquer voz, conhecida, sussurrante, distante, me acorda, me abraça e me revela que os jacarés que pulavam pra tentar me engolir são as lagartixas que moram no teto do quarto escuro, e a ponte com falhas é só a mão que eu encolhi quando naquele dia alguém sorriu pra mim. Por que, Glorinha, eu sei que o mal a gente vê em todo canto, mas o bem só pode existir nisto: a mão dele segurando a minha e a impedindo que fique presa aos medos. E o arrepio que isso me dá é tão leve, que os dedos dele conseguem fazer brotar em cada um dos meus poros uma flor.
Então é aí que qualquer voz, conhecida, sussurrante, distante, me acorda, me abraça e me revela que os jacarés que pulavam pra tentar me engolir são as lagartixas que moram no teto do quarto escuro, e a ponte com falhas é só a mão que eu encolhi quando naquele dia alguém sorriu pra mim. Por que, Glorinha, eu sei que o mal a gente vê em todo canto, mas o bem só pode existir nisto: a mão dele segurando a minha e a impedindo que fique presa aos medos. E o arrepio que isso me dá é tão leve, que os dedos dele conseguem fazer brotar em cada um dos meus poros uma flor.
25.5.10
Carta V (sobre o silêncio)
Querido Orlando,
Hoje eu andei as ruas todas em silêncio, tentando fazer silêncio pelo lado de fora. Quando não quero que os meus pensamentos acordem as pessoas grandes do mundo, prefiro escrever uma carta sem muito ruído.
Ah, Orlando, vim pelas ruas lhe escrevendo cartas. Dois rapazes riram das roupas de um homem. Quis escrever cartas a esse homem também, mas dois passos eram ainda mais longe que Paris! Queria dizer a ele que não se sentisse desconfortável no mundo, tudo bem a sua blusa ser assim. O homem baixou a cabeça como se o mundo fosse lá embaixo, junto das plantinhas que insistentemente nascem nas calçadas feitas de cimento. Quis dizer que a blusa colorida e distraída brincava de voar no varal, acenando alegre às formiguinhas que atravessavam uma ponte improvisada entre uma calçada e outra. Quis dizer isso a ele, quis muito, mas não disse, é claro. Há tantas coisas que não dizemos a um desconhecido... Talvez, ainda mais, muito mais, aos conhecidos que estão separados de nós além da distância entre eu, o homem e Paris. Por que muitas vezes a distância que existe entre nós é só uma corda, na brincadeira de cabo-de-guerra. E ninguém se rende, Orlando. Ninguém. E se ninguém se rende, as palavras fogem.
Por isso lhe escrevo, para que não se esqueça de nosso mundo quentinho, das palavrinhas miúdas que carregamos nos bolsos, e dos silêncios - mais insistentes que as plantinhas que nascem no asfalto - que transbordam nossa boca de risadas. Por hoje, fiquei com o começo desta carta e o silêncio que ainda permancesse entre os conhecidos. Por hoje, querido Orlando, por hoje, foi só.
Hoje eu andei as ruas todas em silêncio, tentando fazer silêncio pelo lado de fora. Quando não quero que os meus pensamentos acordem as pessoas grandes do mundo, prefiro escrever uma carta sem muito ruído.
Ah, Orlando, vim pelas ruas lhe escrevendo cartas. Dois rapazes riram das roupas de um homem. Quis escrever cartas a esse homem também, mas dois passos eram ainda mais longe que Paris! Queria dizer a ele que não se sentisse desconfortável no mundo, tudo bem a sua blusa ser assim. O homem baixou a cabeça como se o mundo fosse lá embaixo, junto das plantinhas que insistentemente nascem nas calçadas feitas de cimento. Quis dizer que a blusa colorida e distraída brincava de voar no varal, acenando alegre às formiguinhas que atravessavam uma ponte improvisada entre uma calçada e outra. Quis dizer isso a ele, quis muito, mas não disse, é claro. Há tantas coisas que não dizemos a um desconhecido... Talvez, ainda mais, muito mais, aos conhecidos que estão separados de nós além da distância entre eu, o homem e Paris. Por que muitas vezes a distância que existe entre nós é só uma corda, na brincadeira de cabo-de-guerra. E ninguém se rende, Orlando. Ninguém. E se ninguém se rende, as palavras fogem.
Por isso lhe escrevo, para que não se esqueça de nosso mundo quentinho, das palavrinhas miúdas que carregamos nos bolsos, e dos silêncios - mais insistentes que as plantinhas que nascem no asfalto - que transbordam nossa boca de risadas. Por hoje, fiquei com o começo desta carta e o silêncio que ainda permancesse entre os conhecidos. Por hoje, querido Orlando, por hoje, foi só.
24.5.10
Glorinha-doce
Quando Glorinha era pequena e só podia espiar o mundo pelas grades do portão, via sempre um velhinho passando na rua e gritando: Olha o aaaaaaaaaaaaalgodão-dôce!
Um dia a Glorinha resolveu sair e entrar na fila das crianças que também esperavam pelo algodão. Ficou esperando o velhinho transformar acúcar em nuvens, acúcar em mágica, em carinhos... Achou que o velhinho era um empregado de Deus pra fazer nuvem docinha aqui na Terra.
Quando ficou pronto mal podia acreditar! Pegou o algodão e sentiu-se tão perto das nuvens que achou que estava caminhando no céu.
Ela já ia longe quando o velhinho gritou: Ô Gloriiiiiiiiiinha, mas e o dinheiro!?
Glorinha virou e respondeu: Não, seu moço! Não precisa de dinheiro não! Só o algodão-doce já tá ótimo, já tá bom demais!
O velhinho deu risada e respondeu: É mesmo né, Glorinha? Só o algodão-doce já tá ótimo, já tá bom demais!
Um dia a Glorinha resolveu sair e entrar na fila das crianças que também esperavam pelo algodão. Ficou esperando o velhinho transformar acúcar em nuvens, acúcar em mágica, em carinhos... Achou que o velhinho era um empregado de Deus pra fazer nuvem docinha aqui na Terra.
Quando ficou pronto mal podia acreditar! Pegou o algodão e sentiu-se tão perto das nuvens que achou que estava caminhando no céu.
Ela já ia longe quando o velhinho gritou: Ô Gloriiiiiiiiiinha, mas e o dinheiro!?
Glorinha virou e respondeu: Não, seu moço! Não precisa de dinheiro não! Só o algodão-doce já tá ótimo, já tá bom demais!
O velhinho deu risada e respondeu: É mesmo né, Glorinha? Só o algodão-doce já tá ótimo, já tá bom demais!
20.5.10
Pensando com meus botões
Estive pensando: A gente nasce e morre, um filme começa e termina (com final feliz), as coisas se principiam e se findam. As coisas se esgotam. Tudo que a gente vê tem tempo, duração, limite. E deve haver uma fonte saciável, mas limitada, no que se diz respeito as nossas ideias. E quando chega esse fim, a gente percebe que o poço não era fundo suficiente, que a linha foi pouca...
Mas não seria o fim, um novo começo?
Não seria a linha de chegada uma nova linha de partida?
O outro lado do rio não é o começo de uma nova terra?
Vida e morte.
A água acabou. A pipa voou.
Só não achei fim ainda pra o céu e pra o amor.
Mas não seria o fim, um novo começo?
Não seria a linha de chegada uma nova linha de partida?
O outro lado do rio não é o começo de uma nova terra?
Vida e morte.
A água acabou. A pipa voou.
Só não achei fim ainda pra o céu e pra o amor.
18.5.10
do Sol
Se é tua primeira noite, aquieta-te e não te preocupes, amor!
O sol nunca deixa a gente na mão.
Se ele desaparece e precisa dar calor ao outro lado desse mundo,
Manda que a lua venha e espalhe pelo menos luz
E traga pelo menos paz.
O sol nunca deixa a gente na mão.
Se ele desaparece e precisa dar calor ao outro lado desse mundo,
Manda que a lua venha e espalhe pelo menos luz
E traga pelo menos paz.
16.5.10
O livro de capa dourada
Querido Orlando,
Eu sei, nessa vida a gente está sujeito a tudo. Se estivermos no ar, podemos cair. Se no mar, o risco é de afundar. Mas como é que é possível o mundo desabar mesmo à nossa frente, assim, sem aviso? As coisas acontecem sem aviso prévio, sem dicas, sem motivos. O chão foge, e a gente vai caindo na tal desilusão. E nessa dimensão nossos olhos estão bem abertos, vendo realidade, sentido o real cheiro das coisas, tateando tudo como é. Pisando em pedras e sabendo que aquilo são pedras, e não flores.
Um gesto de carinho numa rosa pode nos machucar. É bonita a rosa? É. Mas a beleza dela não impede que seus espinhos nos machuquem. É linda a vida? Ora! Mas a corrida é dura, Orlando. Não dá pra se viver assim, vadio como o vento. Não dá pra se envolver com ele, dançar com ele, adquirir forma de vento e acompanhá-lo na viagem aos quatro cantos do mundo. A corrida segue. E então, cadê a música da vitória? Cadê a faixa de chegada? Cadê os aplausos? Cadê o troféu? O buquê de flores?
Em meio as turbulências é que te procuro. Te falo do céu, do mar, do passarinho que fugiu da gaiola, da menina correndo lá fora. Mas tu bem sabes que o que eu procuro em ti é paz. A paz que tu me dás quando chegas na porta da minha casa, no finzinho da noite, acompanhado das estrelas, da lua e da multidão das tuas histórias. Abres o livro de capa dourada, e eu me encosto no teu ombro úmido do orvalho da noite, fecho os olhos, e a história começa. E nem Branca de Neve, nem a Bela Adormecida foram mais felizes do que eu sou naquele momento.
Eu sei, nessa vida a gente está sujeito a tudo. Se estivermos no ar, podemos cair. Se no mar, o risco é de afundar. Mas como é que é possível o mundo desabar mesmo à nossa frente, assim, sem aviso? As coisas acontecem sem aviso prévio, sem dicas, sem motivos. O chão foge, e a gente vai caindo na tal desilusão. E nessa dimensão nossos olhos estão bem abertos, vendo realidade, sentido o real cheiro das coisas, tateando tudo como é. Pisando em pedras e sabendo que aquilo são pedras, e não flores.
Um gesto de carinho numa rosa pode nos machucar. É bonita a rosa? É. Mas a beleza dela não impede que seus espinhos nos machuquem. É linda a vida? Ora! Mas a corrida é dura, Orlando. Não dá pra se viver assim, vadio como o vento. Não dá pra se envolver com ele, dançar com ele, adquirir forma de vento e acompanhá-lo na viagem aos quatro cantos do mundo. A corrida segue. E então, cadê a música da vitória? Cadê a faixa de chegada? Cadê os aplausos? Cadê o troféu? O buquê de flores?
Em meio as turbulências é que te procuro. Te falo do céu, do mar, do passarinho que fugiu da gaiola, da menina correndo lá fora. Mas tu bem sabes que o que eu procuro em ti é paz. A paz que tu me dás quando chegas na porta da minha casa, no finzinho da noite, acompanhado das estrelas, da lua e da multidão das tuas histórias. Abres o livro de capa dourada, e eu me encosto no teu ombro úmido do orvalho da noite, fecho os olhos, e a história começa. E nem Branca de Neve, nem a Bela Adormecida foram mais felizes do que eu sou naquele momento.
5.5.10
guarda-chuva amarelo
Querido Orlando,
Hoje senti os teus olhos em mim. Me observaram durante um longo tempo. E por um tempo tive tanto medo de abrir os olhos e sentir os teus pousando sobre os meus, encontrando-os, penetrando-os, navegando-os, que nem me dei conta de que já estava conversando contigo, andando contigo, dividindo contigo o meu guarda-chuva amarelo. Tive medo de perder os meus dentro dos teus. Me perder em ti pra me encontrar enfim. Então virei e vi a cortina da janela balançando. E eu só queria dizer que a porta está aberta. Mas se quiser mesmo pular a janela, fica à vontade.
Da janela dá pra gente ver o sol nascendo, se pondo, as crianças correndo lá fora, brincando de gira-gira. Lá fora, a menina andando em círculos nem percebe o quanto cresceu. Volta sempre pra o mesmo lugar, mas já não é a mesma. Nunca sai do prumo, sempre andando em círculos, seguindo o ponteiro do relógio, correndo com e não contra o tempo.
Naquele momento percebi que o tempo não pode fazer muita coisa com a gente. Se todas as coisas se acabam porque o tempo é mau e não deixa que elas continuem, há uma coisa que o tempo não detém, Orlando. Palavras são à prova de tempo. Então, guardei aquela carta por dentro dos meus olhos para quando o tempo mudar, eu não esquecer você. Pra quando o tempo mudar, e o céu ameaçar explodir de tão cinza que está, você, como sempre, não me responder palavras, não me escrever palavras, mas quando o sol for sumindo, você sorrir e se encolher comigo embaixo do meu guarda-chuva amarelo.
Hoje senti os teus olhos em mim. Me observaram durante um longo tempo. E por um tempo tive tanto medo de abrir os olhos e sentir os teus pousando sobre os meus, encontrando-os, penetrando-os, navegando-os, que nem me dei conta de que já estava conversando contigo, andando contigo, dividindo contigo o meu guarda-chuva amarelo. Tive medo de perder os meus dentro dos teus. Me perder em ti pra me encontrar enfim. Então virei e vi a cortina da janela balançando. E eu só queria dizer que a porta está aberta. Mas se quiser mesmo pular a janela, fica à vontade.
Da janela dá pra gente ver o sol nascendo, se pondo, as crianças correndo lá fora, brincando de gira-gira. Lá fora, a menina andando em círculos nem percebe o quanto cresceu. Volta sempre pra o mesmo lugar, mas já não é a mesma. Nunca sai do prumo, sempre andando em círculos, seguindo o ponteiro do relógio, correndo com e não contra o tempo.
Naquele momento percebi que o tempo não pode fazer muita coisa com a gente. Se todas as coisas se acabam porque o tempo é mau e não deixa que elas continuem, há uma coisa que o tempo não detém, Orlando. Palavras são à prova de tempo. Então, guardei aquela carta por dentro dos meus olhos para quando o tempo mudar, eu não esquecer você. Pra quando o tempo mudar, e o céu ameaçar explodir de tão cinza que está, você, como sempre, não me responder palavras, não me escrever palavras, mas quando o sol for sumindo, você sorrir e se encolher comigo embaixo do meu guarda-chuva amarelo.
2.5.10
sobre o amor
O amor é uma enorme colcha de retalhos coloridos que nos aquece do frio de dentro.
E o beijo é só a costura que os lábios dão e unem esses retalhos.
Se não há costura, são apenas retalhos.
E o beijo é só a costura que os lábios dão e unem esses retalhos.
Se não há costura, são apenas retalhos.
1.5.10
Eu sobre mim II
Conheci o Orlando um dia desses no ônibus.
Ele teve pena de mim quando me viu falando sozinha.
Então, sentou do meu lado e começou a conversar. E até hoje eu escrevo cartas pra o Orlando.
Ele teve pena de mim quando me viu falando sozinha.
Então, sentou do meu lado e começou a conversar. E até hoje eu escrevo cartas pra o Orlando.
30.4.10
Eu sobre mim
Por que a gente é assim, hein?
Uns dias tão seca, que nem o céu estrelado nos arranca suspiros.
Outros dias tão boba, rindo à toa, vivendo ...
Uns dias tão seca, que nem o céu estrelado nos arranca suspiros.
Outros dias tão boba, rindo à toa, vivendo ...
Poeminha para um peixe
Para Lorena Ribeiro
O mundo é teu mar, menina!Nada os sete mares
Encontra o teu caminho
Encanta outros peixinhos
E nunca desanima
Mergulha com certeza
Deixa que te leve a correnteza
E que nenhum pescador te pegue
E te coloque em um aquário
Pra que sirvas de mostruário
Porque és tão bela
Faz a tua história
Veja a tua glória
Segue a sua sina
Sempre com auto-estima
Pois o mundo é teu mar, menina!
25.4.10
Querida Glorinha
Quanto tempo a gente leva pra deixar que os nossos olhos descansem da espera? E deixar que eles se fechem suaves, devagar, enquanto vem um anjo e vai prendendo nossos cílios, um a outro, na tentativa de que a gente não acorde nunca mais? Quanto tempo a gente leva pra se acostumar com o telefone que nunca toca, com a voz do outro lado que nunca mais vai dizer: tô voltando? Nunca mais. Foi nesses dias, Glorinha, que eu percebi que a falta que a gente sente do outro às vezes é tanta que a gente esquece da gente, que a gente se perde dentro de si mesmo, que a saudade nem é mais da gente porque nem existimos mais. Só o outro. E a saudade, com seus ares de chantagem, está em toda parte. No livro, na árvore, no caixa de supermercado, na fila do banco, no portão de saída... E quando chega a noite, ela escolhe o pior lugar, deita bem do lado da gente na cama e fica acariciando a nossa face, enxugando os nossos olhinhos úmidos, repetindo a última frase ouvida, e nos lembrando que "não volta nunca mais."
20.4.10
Polícia e Ladrão
Quando amanheceu de fato, o céu era azul como na manhã passada, os carros passavam como na manhã passada, pessoas caminhavam como na manhã passada.
Na manhã passada ele era apenas um dos garotos brincando de polícia e ladrão. Os becos do lugar onde morava eram esconderijos, labirintos de se passar uma vida inteira perdido, procurando luz, caminho, perdido junto com as balas nas paredes da casa que um dia acertaram um homem mau. O menino na barra da saia da mãe procurava abrigo, segurava firme nas pernas da mulher que estava na lavanderia. Se o menino soubesse da manhã de hoje, nunca haveria largado da sua mãe.
Mas logo as vozes imitavam disparos, acertavam o menino, e ele caía no chão, encerrando assim o ato. Fim do ato, recomeço da brincadeira. O menino corria muito, corria fugindo do amigo-policial, correu tanto que envelheceu nas ruas, correu tanto que além de deixar pegadas, manchou o asfalto, a calçada, e parou embaixo do carro. O carro não lhe oferecia a segurança da barra da saia da mãe. Da mãe que sentia junto com o filho a dor quente, o sangue na perna, na cabeça, no braço, tonto, caindo, mas correndo... A mãe sentada junto a porta de casa, esperando o filho voltar da brincadeira, fazendo sua prece e acariciando o ventre com as mãos, querendo que ainda estivessem lá todos os seus filhos - os vivos, os mortos, e os quase lá - querendo deixá-los lá por muito tempo, porque sabe que um dia acertaram um homem mau.
Os disparos causando vozes de súplica, acordando toda uma rua, fazendo a menina chorar de susto, de medo, de pena do menino que já brincou de polícia e ladrão, e agora está caído ali, mãos no rosto, um rosto de súplica, e um coração jorrando sangue e maldade.
Quando amanheceu de fato, o céu era azul como na manhã passada, os carros passavam como na manhã passada, pessoas caminhavam como na manhã passada.
Na manhã passada ele era apenas um dos garotos brincando de polícia e ladrão. Os becos do lugar onde morava eram esconderijos, labirintos de se passar uma vida inteira perdido, procurando luz, caminho, perdido junto com as balas nas paredes da casa que um dia acertaram um homem mau. O menino na barra da saia da mãe procurava abrigo, segurava firme nas pernas da mulher que estava na lavanderia. Se o menino soubesse da manhã de hoje, nunca haveria largado da sua mãe.
Mas logo as vozes imitavam disparos, acertavam o menino, e ele caía no chão, encerrando assim o ato. Fim do ato, recomeço da brincadeira. O menino corria muito, corria fugindo do amigo-policial, correu tanto que envelheceu nas ruas, correu tanto que além de deixar pegadas, manchou o asfalto, a calçada, e parou embaixo do carro. O carro não lhe oferecia a segurança da barra da saia da mãe. Da mãe que sentia junto com o filho a dor quente, o sangue na perna, na cabeça, no braço, tonto, caindo, mas correndo... A mãe sentada junto a porta de casa, esperando o filho voltar da brincadeira, fazendo sua prece e acariciando o ventre com as mãos, querendo que ainda estivessem lá todos os seus filhos - os vivos, os mortos, e os quase lá - querendo deixá-los lá por muito tempo, porque sabe que um dia acertaram um homem mau.
Os disparos causando vozes de súplica, acordando toda uma rua, fazendo a menina chorar de susto, de medo, de pena do menino que já brincou de polícia e ladrão, e agora está caído ali, mãos no rosto, um rosto de súplica, e um coração jorrando sangue e maldade.
Quando amanheceu de fato, o céu era azul como na manhã passada, os carros passavam como na manhã passada, pessoas caminhavam como na manhã passada.
16.4.10
Conspiração
Era nova a sandália. Nova, nova não era. Mas também não era velha.
Pois a sandália, senhores, a sandália arrebentou. Logo na hora do atraso, logo no dia em que tudo dá errado.
O mundo, que antes fazia apenas o movimento de rotação e translação - e era o máximo que ela achava que ele podia fazer - resolveu conspirar contra alguém. E voltou pra casa, senhores. Voltou e calçou outra sandália.
A sandália que fora substituída foi elogiada. Bonita a sandália. Bonita. Acalmou-se a moça, sentou no ponto de ônibus e criava expectativas, listando (sempre a mania das listas) em ordem de maior probabilidade "Coisas que ainda podem acontecer hoje para piorar o meu dia". Logo vem um menino. O menino, senhores, era bonito. Mas era tão sujo e tão mal-arrumado que mesmo o sorriso, ainda que encardido, não conseguia ressaltar a beleza do menino.Nunca havia recebido um elogio. Os pés do menino descalços.
Menino, cadê sua sandália? Sua sandália também arrebentou? Também o mundo conspira contra você, menino? Também foi baixa a sua nota da prova? Também contaram a verdade que voce não queria ouvir? Você também não suporta ouvir coisas ridículas de pessoas bobas? Você tem também um problema desse tamanho? Desse tamanho aqui, menino - e abriu os braços na tentativa de fazê-los dar a volta no mundo.
- Também arrebentou sua sandália, menino?
- Nunca tive sandália, moça.
A moça entendeu, entendeu que o menino sorria justamente porque nunca tinha calçado uma sandália. Não ficará triste nunca, pensou, não ficará triste nunca porque nunca terá uma sandália quebrada.
O menino nunca teve uma sandália, e quem sabe, nunca terá. Assim não há risco de se ficar triste, de se zangar, quando não se tem uma sandália quebrada.
A moça vai ter tantas outras tristezas, vai chorar tantas outras vezes, porque sempre vai ter uma sandália pra substituir a quebrada.
Sempre haverá outra sandália.
Pois a sandália, senhores, a sandália arrebentou. Logo na hora do atraso, logo no dia em que tudo dá errado.
O mundo, que antes fazia apenas o movimento de rotação e translação - e era o máximo que ela achava que ele podia fazer - resolveu conspirar contra alguém. E voltou pra casa, senhores. Voltou e calçou outra sandália.
A sandália que fora substituída foi elogiada. Bonita a sandália. Bonita. Acalmou-se a moça, sentou no ponto de ônibus e criava expectativas, listando (sempre a mania das listas) em ordem de maior probabilidade "Coisas que ainda podem acontecer hoje para piorar o meu dia". Logo vem um menino. O menino, senhores, era bonito. Mas era tão sujo e tão mal-arrumado que mesmo o sorriso, ainda que encardido, não conseguia ressaltar a beleza do menino.Nunca havia recebido um elogio. Os pés do menino descalços.
Menino, cadê sua sandália? Sua sandália também arrebentou? Também o mundo conspira contra você, menino? Também foi baixa a sua nota da prova? Também contaram a verdade que voce não queria ouvir? Você também não suporta ouvir coisas ridículas de pessoas bobas? Você tem também um problema desse tamanho? Desse tamanho aqui, menino - e abriu os braços na tentativa de fazê-los dar a volta no mundo.
- Também arrebentou sua sandália, menino?
- Nunca tive sandália, moça.
A moça entendeu, entendeu que o menino sorria justamente porque nunca tinha calçado uma sandália. Não ficará triste nunca, pensou, não ficará triste nunca porque nunca terá uma sandália quebrada.
O menino nunca teve uma sandália, e quem sabe, nunca terá. Assim não há risco de se ficar triste, de se zangar, quando não se tem uma sandália quebrada.
A moça vai ter tantas outras tristezas, vai chorar tantas outras vezes, porque sempre vai ter uma sandália pra substituir a quebrada.
Sempre haverá outra sandália.
14.4.10
Sobre a confiança
Um passarinho amarelo pousou perto do menino
Que lhe jogou migalhas de pão e foi retribuído com um sorriso.
(Sim, pássaros sorriem!)
Os ponteiros do relógio trabalhavam
Mas nesse momento o tempo (ah, o tempo!), o tempo parou.
Que lhe jogou migalhas de pão e foi retribuído com um sorriso.
(Sim, pássaros sorriem!)
Os ponteiros do relógio trabalhavam
Mas nesse momento o tempo (ah, o tempo!), o tempo parou.
12.4.10
Cotidiano
Todas as manhãs acordava com o travesseiro encharcado de sonhos. No ritmo que abria a janela, abria também o sorriso.
Por que será que a vida parece melhor e mais bonita de manhã, quando há sol, vento fresco, céu azul?
Se debruçava na janela, falava com os girassóis e olhava atentamente para os rostos na rua desta gente que acordou ind'gorinha, que sorri, que canta, que cumprimenta os que passam.
Todas as tardes se banhava na mentira de chuva que era o seu chuveiro. Toda ela era flor, regada delicadamente, a água acariciando a pele de pétala, e escorrendo até o ralo.
Pra onde iria aquela água que agora cheirava à menina-flor?
Todas as noites sentava na varanda pra lembrar todos os sonhos escondidos no travesseiro. Nos olhos, a saudade de um lugar nunca visto, uma saudade impossível. Impossível?...
Um dia - quem sabe? - um vento bom ou mau passa e leva a gente. Um dia...
Todos os sonhos eram descanso para os olhos cansados de espera da menina. Num desses sonhos veio um vento - bom ou mau? - e levou para longe a menina que queria viajar, que falava com os girassóis, que olhava todos os dias para o céu só pra garantir que ele continuava azul, que as nuvens ainda estavam lá em cima, que o sol (tão cor de sol), ainda brilhava...
Nesse sonho, a menina não viu mais nada disso, mas dançou com o vento - o vento que tira a vida - até que eles dois se tornaram um.
Por que será que a vida parece melhor e mais bonita de manhã, quando há sol, vento fresco, céu azul?
Se debruçava na janela, falava com os girassóis e olhava atentamente para os rostos na rua desta gente que acordou ind'gorinha, que sorri, que canta, que cumprimenta os que passam.
Todas as tardes se banhava na mentira de chuva que era o seu chuveiro. Toda ela era flor, regada delicadamente, a água acariciando a pele de pétala, e escorrendo até o ralo.
Pra onde iria aquela água que agora cheirava à menina-flor?
Todas as noites sentava na varanda pra lembrar todos os sonhos escondidos no travesseiro. Nos olhos, a saudade de um lugar nunca visto, uma saudade impossível. Impossível?...
Um dia - quem sabe? - um vento bom ou mau passa e leva a gente. Um dia...
Todos os sonhos eram descanso para os olhos cansados de espera da menina. Num desses sonhos veio um vento - bom ou mau? - e levou para longe a menina que queria viajar, que falava com os girassóis, que olhava todos os dias para o céu só pra garantir que ele continuava azul, que as nuvens ainda estavam lá em cima, que o sol (tão cor de sol), ainda brilhava...
Nesse sonho, a menina não viu mais nada disso, mas dançou com o vento - o vento que tira a vida - até que eles dois se tornaram um.
11.4.10
Sobre nós
O cadarço mal amarrado
É queda na certa
Um passo descuidado
E um galo na testa.
Nós, por exemplo.
É queda na certa
Um passo descuidado
E um galo na testa.
Nós, por exemplo.
6.4.10
Conversando com meu amigo Pedro II
E o que você me diz, Pedro? Você que gosta de falar muito, que sabe falar muito, que gosta de interromper muito também, né?
Olha, mas se eu falar e ninguém quiser ouvir? Igual quando a mãe da Glorinha, coitada, tão menor que a filha, chama ela pra entrar e ela nem aí: continua na rua brincando. Aí chega o pai dela, aquele homem grande, que bota medo em qualquer cachorro de rua e grita: Ei, menina, entra! A Glorinha nem calça o chinelo e vem correndo. Só que eu não sou grandre, Pedro. E eu acho tão feio gritar. Porque o que eu gosto de falar é pouquinho, e fica mais bonito baixinho. baixinho...
Olha, mas se eu falar e ninguém quiser ouvir? Igual quando a mãe da Glorinha, coitada, tão menor que a filha, chama ela pra entrar e ela nem aí: continua na rua brincando. Aí chega o pai dela, aquele homem grande, que bota medo em qualquer cachorro de rua e grita: Ei, menina, entra! A Glorinha nem calça o chinelo e vem correndo. Só que eu não sou grandre, Pedro. E eu acho tão feio gritar. Porque o que eu gosto de falar é pouquinho, e fica mais bonito baixinho. baixinho...
5.4.10
Conversando com meu amigo Pedro I
Mas eu não sei não viu, Pedro? Quem já viu, Pedro? Come toda a comida, come tu-do! Você é magrinho demais, engole, vai. Olhe, engole. Eu como direitinho, Pedro. Agora mesmo acabei de engolir tudo o que eu queria falar. Assim, acabei agora não, sabe? Faz um tempo. Ora bolas! Ora bolas! O tempo não interessa! Come enquanto eu conto. O tempo não importa, só sei que foi o necessário, o tantinho exato, pra recuperar o ar que me faltou enquanto as palavras desciam desordenadamente goela abaixo.
Per... ô Pedro, pera. Come devagar né? Mastiga essa comida senão você fica com dor de barriga.
Eu acho que a gente não devia deixar de falar algo, sabe? A gente não devia engolir as palavras que deveriam estar no ar uma hora dessas. Por que tem vez que quando a gente engole não faz nada bem. E eu nunca ouvi falar de remédio pra má-ingestão-de-palavras-não-saídas.
Per... ô Pedro, pera. Come devagar né? Mastiga essa comida senão você fica com dor de barriga.
Eu acho que a gente não devia deixar de falar algo, sabe? A gente não devia engolir as palavras que deveriam estar no ar uma hora dessas. Por que tem vez que quando a gente engole não faz nada bem. E eu nunca ouvi falar de remédio pra má-ingestão-de-palavras-não-saídas.
26.3.10
Responda quem puder (ajudar)
Querido Amigos (Amigos. É isso né?), respondam, porque ando aflitíssima: O que fazem, a quem recorrem, que decisões, posições ou remédios tomam para não cansarem logo das coisas? Falo das coisas que a gente tem que conviver sempre. Das pessoas, dos risos da mesma piada, do ônibus lotado, da falta de notícias, das manias, do ponteiro que nunca quer sair do lugar e insiste em ficar no dez. Sempre no dez. O ponteiro no dez. Meu Deus, por que o ponteiro nunca sai do dez?
Sempre no dez.
Amigos, não coloco a culpa nos hormônios, fase, ou nas pessoas. A culpa é toda minha, amigos. A culpa é toda minha e eu deixo que ela fique sempre na barra da saia, puxando, pedindo pra ir pra rua.
- Não pode!
Me expliquem como nunca fazer cara feia quando se perde o ônibus, quando se tira nota baixa, quando fazem justo o que você pediu que não fizessem, quando se tropeça. Eu imploro, me digam como mantêm sempre o sorriso na cara, sempre o sorriso na alma, sempre assim, bonitos. Me ensinem como fazer de um simples mostrar de dentes um motivo de felicidade!
Felicidade é o quê pra vocês, amigos?
Esse tempo todo e o ponteiro ainda tá no dez...
Sempre no dez.
Amigos, não coloco a culpa nos hormônios, fase, ou nas pessoas. A culpa é toda minha, amigos. A culpa é toda minha e eu deixo que ela fique sempre na barra da saia, puxando, pedindo pra ir pra rua.
- Não pode!
Me expliquem como nunca fazer cara feia quando se perde o ônibus, quando se tira nota baixa, quando fazem justo o que você pediu que não fizessem, quando se tropeça. Eu imploro, me digam como mantêm sempre o sorriso na cara, sempre o sorriso na alma, sempre assim, bonitos. Me ensinem como fazer de um simples mostrar de dentes um motivo de felicidade!
Felicidade é o quê pra vocês, amigos?
Esse tempo todo e o ponteiro ainda tá no dez...
25.3.10
Entre a noite e o dia
Ia o silêncio quando foi rompido por uma incrível aglomeração de soldados fardados de palavras. Suas botas pisavam a terra molhada, encharcada pelas lágrimas das tristezas daquele lugar distante. Corpos inertes presos com correntes de silêncio em cadeiras de balanço paradas. Mundo morto. Foi quando perceberam um tímido crepúsculo, que ia surgindo no meio da cidade sombria tomada pelo medo. E assim surgiu o primeiro olhar através da densa escuridão. Os soldados pararam e esperavam alguma luz que os guiasse. E então apareceu uma menina, de caminhar tão leve que parecia voar, vestida de flores, e na cabeça uma tiara de borboletas, que cantava uma canção. Limpou a alma, chamou a atenção, e desarmou todos os soldados fardados. Os corpos, agora em ânsia de esperança, mas ainda parados, voltaram apenas o olhar para a menina. Não esperavam, quando magicamente, a menina de olhos verdes e alegres, deu uma pirueta. Duas piruetas. Três piruetas. Quatro piruetas. Na quinta, uma chuva de cores. Desarmandos e arrependidos, os soldados conseguiram ver, mesmo em meio a lágrimas, uma estrela baixa que se explodiu em saquinhos de pó-de-luz. A menina na frente, e os soldados, agora esperançosos, iam marchando em prol de um único desejo: o amor! Sendo assim, caminharam em direção as cadeiras, sopraram fechos de luz nas algemas que desapareciam, permitindo que as pessoas, agora vivas, dessem as mãos. Então as densas trevas se dissiparam e deram lugar a uma atmosfera de cores, flores, cheiro de grama, vento, barulho do mar, sorrisos, abraços. Os soldados e as pessoas, unidos, riram riso extrapolado porque descobriram o verdadeiro valor do amor com amizade. A menina olhou pro céu e viu um cavalo dourado, com seu nobre e belo cavaleiro montado, vindo ao seu encontro. Foi quando... O despertador dispara: 5h40. Despertar. O banho frio levou pra longe toda a magia. O dia começou do lado de cá.
13.3.10
Carta
A história que essa carta conta é triste e banal.
"Sei que certas notícias nos deixam vagamente preocupados. Mas a ausência das tuas obrigaram-me a comprar selos pra te enviar esta Carta. Há muito venho pensando em como o tempo quase não passa quando esperamos por algo. Esperava por qualquer coisa: um telegrama, uma carta, um bilhete, um cartão, uma lembrança. Todos os dias cumpria a sina de esperar o carteiro, já cansado, no fim da tarde, abrir a bolsa e entregar-me o envelope que faria com que o céu descesse até mim, e me fizesse deitar em qualquer nuvem, e me acolhesse pra que lesse as tuas palavras, ainda que poucas, pelo menos 3 milhões de vezes. Mas tudo o que eu tenho visto é o carteiro fazendo a curva no fim da rua, já cansado, no fim da tarde. E pela janela mantenho os olhos fixos no céu pra que mandem um sinal. Uma nuvem de chuva ou de fumaça. Alguma coisa que traga graça. Mas tudo o que eu vejo é o sol se pondo no mar. Do mar espero uma garrafa, com uma carta contando que estás chegando, que sentes saudades, que anseias me ver. Aí a noite chega. Confesso que falo pra mim mesma todos os dias as frases que gostaria de ouvir de ti. Frases que me fariam bem, como quando o sol ilumina o mar e nos traz a luz da manhã. E ainda que não me dissesses ao menos uma vírgula do que eu penso, anseio por que me digas a verdade. Só a verdade. Então levanto, procuro acender as luzes, por que meus olhos vão apagar. Não em sonhos, não em pensamentos. Se apagarão de medo que não lembres mais de mim. Os olhos de água vão molhando, lavando e levando os dias que espero por tuas notícias. Até que adormeço e tento manter-me nessa condição até que voltes. Por que a noite, a noite é pouca para o muito que sinto."
"Sei que certas notícias nos deixam vagamente preocupados. Mas a ausência das tuas obrigaram-me a comprar selos pra te enviar esta Carta. Há muito venho pensando em como o tempo quase não passa quando esperamos por algo. Esperava por qualquer coisa: um telegrama, uma carta, um bilhete, um cartão, uma lembrança. Todos os dias cumpria a sina de esperar o carteiro, já cansado, no fim da tarde, abrir a bolsa e entregar-me o envelope que faria com que o céu descesse até mim, e me fizesse deitar em qualquer nuvem, e me acolhesse pra que lesse as tuas palavras, ainda que poucas, pelo menos 3 milhões de vezes. Mas tudo o que eu tenho visto é o carteiro fazendo a curva no fim da rua, já cansado, no fim da tarde. E pela janela mantenho os olhos fixos no céu pra que mandem um sinal. Uma nuvem de chuva ou de fumaça. Alguma coisa que traga graça. Mas tudo o que eu vejo é o sol se pondo no mar. Do mar espero uma garrafa, com uma carta contando que estás chegando, que sentes saudades, que anseias me ver. Aí a noite chega. Confesso que falo pra mim mesma todos os dias as frases que gostaria de ouvir de ti. Frases que me fariam bem, como quando o sol ilumina o mar e nos traz a luz da manhã. E ainda que não me dissesses ao menos uma vírgula do que eu penso, anseio por que me digas a verdade. Só a verdade. Então levanto, procuro acender as luzes, por que meus olhos vão apagar. Não em sonhos, não em pensamentos. Se apagarão de medo que não lembres mais de mim. Os olhos de água vão molhando, lavando e levando os dias que espero por tuas notícias. Até que adormeço e tento manter-me nessa condição até que voltes. Por que a noite, a noite é pouca para o muito que sinto."
4.3.10
A cor do céu
Sabe, à tardinha voltando pra casa, levantei os olhos do livro e olhei pro céu pela janela. O céu que cobria o ônibus era totalmente azul, mas eu vi acima das casas uma cortina vermelha-alaranjada que queria tragar todas elas e que com certeza, queria alcançar também o ônibus. Me disseram uma vez que o céu é azul por causa do mar. Mas e aquele manto que surgia ali, devagar, bem-intencionado, seria então algum incêndio em algum lugar não muito distante? Eu sei que incêndios não são bons. Mas aquele era. Por que era tão lindo, sabe? Aí eu fiquei imaginando duas pessoas em algum banco de praça confessando uma pra outra através de olhares o quanto se gostavam.
26.2.10
Amiguinho cinza-do-cabelo-roxo-e-olhar-verde
Eu já me achava um tanto "crescida" pra desenhar. Mas ontem eu precisava de alguma coisa que me fizesse pensar como criança, entender como criança, perdoar como criança, aceitar como criança, ser criança. Não necessariamente todo mundo que cresce tem que virar grande, né? Eu, vejam só, eu nem sou tão grande e nem sou mais criança. Mas se eu quiser brincar no parquinho não vão deixar. E se eu quiser sair sozinha à noite também não. É complicado. Tudo pra mim e em mim é muito complicado. Crianças não são complicadas. Tô fazendo nada, vou desenhar. Peguei o caderno de desenho que há muito não usava, procurei os lápis de cor e reparei que faltavam algumas cores. Fiquei feliz por que o lápis amarelo ainda estava lá. Respirei aliviada. Pra mim amarelo é a cor mais bonita do mundo, sabe? Peguei o resto das cores e pintei o meu amiguinho aí. Ele é diferente propositalmente. Esse cabelo roxo e a pele cinza não são vistos em todos os desenhos que circulam na TV. No desenho da folha o lugarzinho do olho ficou todo borrado por que não sei desenhar olhos. E eu queria que meu coleguinha olhasse diferente. Desenhei o que pude e tingi de verde. Pra mim, todo mundo deveria ter um olhar verde, que é a minha-segunda-cor-mais-bonita. Ainda no meu desenho da folha, desenhei um calção azul com dois bolsos que ele podia guardar qualquer coisa por que dentro deles havia mais bolsos, e dentro dos bolsos dos bolsos mais bolsos... Umas perninhas cinza que não diferenciavam coxa, joelho ou canelas e um tênis verde com amarelo. Terminei meu amiguinho cinza-do-cabelo-roxo-e-olhar-verde. Não dei um nome, acho que ele mesmo pode escolher o que achar melhor.
- O que é isso?
- Um desenho, ué.
- Deixa de ser idiota!
Sorri. Fechei o caderno e fui fazer minhas coisas de gente (meio) grande.
17.2.10
E eu que não gosto de matemática II
Quando eu disser "some", não pense que eu estou mandando pegar o próximo vôo pra lugar nenhum.
Quando eu disser "some", junte todas as palavras, todos os carinhos, todos os beijinhos antes da briga e some.
Adicione alguns sussuros ao pé do ouvido, aquele passeio na chuva e o dia em que você tombou comigo. Some.
Mas se quiser mesmo sumir, amor, me leve junto.
Quando eu disser "some", junte todas as palavras, todos os carinhos, todos os beijinhos antes da briga e some.
Adicione alguns sussuros ao pé do ouvido, aquele passeio na chuva e o dia em que você tombou comigo. Some.
Mas se quiser mesmo sumir, amor, me leve junto.
E eu que não gosto de matemática
Hoje eu odeio matemática. Mas tem uma coisa que tô gostando de fazer: Simplificar a vida.
Subtrair o medo.
Somar silêncios.
Dividir amor.
Multiplicar sorrisos.
Subtrair o medo.
Somar silêncios.
Dividir amor.
Multiplicar sorrisos.
8.2.10
Fazer valer a pena
Durma quando o sono bater, acorde ao meio-dia, declame um poema, escreva um livro, dê o dízimo, faça um filme, assista desenho animado, desligue um pouco a TV, faça listas, crie um blog, morda o pirulito, troque uma lâmpada, cante no chuveiro, pare de fazer qualquer coisa pra admirar o céu, corra na praia, vá descalço pra o quintal, parabenize, pise numa poça de lama, invente comidas, use uma flor no cabelo, salve uma formiga, dance com uma vassoura, prefira os outros, e se apaixone todo dia por você.
Beba água na boca da garrafa, plante um pé de feijão, ceda o seu lugar, tropece e ria de si mesmo, faça missões, durma na sala de aula, imite um rapper em frente ao ventilador, doe roupas, peça um abraço, deixe o canto da boca sujo de sorvete, fale o que a voz quer dizer, aposente seu relógio, nomeie estrelas, faça mechas laranjas no cabelo, fotografe, leia um livro infantil, chore assistindo Edward mãos de tesoura, adote o vegetarianismo, converse com seus pais, agradeça, invente uma dança, suba em árvores, tenha medo de algo, e se apaixone todo dia pelo mesmo alguém.
Molde nuvens, converse com as plantas, participe de um protesto, decore um versículo por dia, assobie uma canção qualquer, fale com crianças como se fosse uma delas, deite na cama de cabeça pra baixo, viole regras, tome banho de chuva, experimente usar três camisas, ouça Molejo e The Beatles, converse com o espelho, escreva seu dia numa folha qualquer, vá de ônibus, sente numa janela, use gírias, cometa erros, marque um encontro, e se apaixone de verdade por alguém.
Desça no corrimão de uma escada, colecione discos de vinil, tampinhas de lata ou selos, ore de joelhos, monte uma barraca na sala de casa, ande de bicicleta, recicle o lixo, frequente a Escola Dominical, saia de casa sem rumo, volte quando Deus quiser, aprenda a tocar um instrumento, use protetor solar ao invés de maquiagem, finja ser um super herói, perdoe-se, gaste horas imaginando possíveis situações, inove, Ame a Deus.
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